segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E o cinema brasileiro, hein, quem diria?

Não sei se acontece com vocês, mas eu geralmente assisto aos produtos do cinema nacional com uma complacência prévia, uma camaradagem para com os conterrâneos que se atrevem a lançar qualquer coisa em nosso cenário cultural. Muitas vezes, porém, nem a minha benevolência salva as produções brasileiras de irem para a lista de horas perdidas na minha vida.

Não é o caso de alguns filmes que vi recentemente. Note-se que nenhum deles é lançamento, mas eu não os havia visto ainda. Semana passada vi Meu nome não é Johnny. Excelente atuação de Selton Mello. O roteiro também é interessante por não abordar a fórmula batida de garoto que cresceu na favela e não viu alternativa fora do submundo do crime. Sem levantar a bandeira antidrogas ou anti qualquer coisa, o filme mostra de forma natural como o menino de classe média, de boa família, de boa educação e com tudo para "dar certo" na vida se enveredou sem querer nem pensar pelo tráfico. O tom é despretensioso. Embora o filme trate de assuntos pesados como uso e tráfico de drogas, criminalidade, cadeia, a trama vai além da crítica social, fazendo um bom entretenimento também, sem perder o ritmo intenso. Os personagens são do tipo que eu mais gosto: a gente não se identifica com um herói nem com um bandido, mas com um ser humano.

Ontem assisti a Tempos de Paz, de Daniel Filho. Ao contrário dos sucessos de bilheteria Se eu fosse você 1 e 2, do mesmo diretor, Tempos de Paz não é uma história novelesca transportada de modo desajeitado por atores globais para a telona (felizmente).

Já no início do filme eu estava extremamente emocionada, por razões pessoais. O filme retrata a chegada de imigrantes europeus ao Brasil, tentando escapar dos horrores da guerra, ainda que não possam fugir de suas lembranças. Meus avós vieram para o Brasil da Ucrânia nessas condições. Embora eu tenha poucas referências do meu avô, que faleceu quando minha mãe tinha apenas 4 anos de idade, posso imaginá-lo chegando à sua nova pátria, trazendo nos olhos a esperança de uma vida melhor, e no peito um coração amargurado pela tristeza da 1ª Guerra Mundial.

Assim como o protagonista, interpretado por Dan Stulbach, meu avô também era um artista, um ator, e veio para o Brasil emprestar seus braços para a lavoura. Quando a gente pensa na chegada desses imigrantes ao Brasil, tem uma ideia das perdas no aspecto material: deixar para trás casa, posses, pátria. Mas é muito mais doloroso perceber que ficaram para trás também referências, vizinhos, amigos, parentes, muitos deles mortos. E, ainda, a identidade. Para muitos, o início de uma nova vida deve ter sido uma oportunidade interessante, mas para outros deve ter significado dar adeus ao que eles de fato sabiam e gostavam de fazer, para assumir uma personalidade distante da sua própria, mas que era - simplesmente - possível.

As interpretações dos protagonistas - Dan Stulbach e Tony Ramos - conseguem fugir dos clichês e não apelar para o melodrama barato. Stulbach, num monólogo, arranca lágrimas de seu até então insensível  e inabalável inquisidor. Minhas, então, nem se fala. É verdade que, até dado momento, chega a ser engraçada a semelhança do ator que parece o Tom Hanks com o personagem deste último em O Terminal. Por alguns intantes, ele quase escorrega num caricaturismo. Por sorte, ele escapa dessa cilada e monta um personagem maravilhoso, digno de aplausos de pé.

O filme presta uma bela homenagem à arte do teatro, fala de sublimação através da arte. Homenageia também aos imigrantes que, como diz, a guerra fez brasileiros. Um espetáculo levado dos palcos para o cinema com grande sucesso.

Outro filme brasileiro visto ontem foi Estômago, do curitibano Marcos Jorge. Foi interessante ver a minha cidade retratada no filme, ainda que a história em si não escancare que se passa em Curitiba. Legal, para variar um pouco, o cenário urbano não ser representado por São Paulo ou Rio de Janeiro. Talvez os mais atentos tenham percebido que os detentos se referem a um fulano que foi transferido para Piraquara, o que é uma boa dica só para quem sabe onde fica Piraquara, claro. Mas para quem já viu de perto, desde a rodoviária, passando pelos botecos sujos e pensionatos pobres do Largo até o ponto daspu, é uma viagem ver esses lugares virarem cenário de filme.

Além disso, é mais um filme que consegue tratar de temas delicados como prostituição, cadeia, crimes, exploração e pobreza sem parecer documentário-denúncia. Pelo contrário, a trama se desenvolve com um humor inteligente e ritmo agradável. E mesmo que o enredo gire em torno do clichê do retirante nordestino que chega à cidade grande em busca de uma vida melhor, consegue superar o lugar comum e fazer o mesmo de um jeito diferente.

Gostei muito de ver o protagonista se desenvolvendo ao longo da trama. Bem na verdade, ele começa ferrado e termina pior. Mas, de uma forma bem peculiar, consegue resgatar um quê de dignidade e se destacar em seu meio social, ao ponto de esboçar até uma estranha felicidade. E ele faz isso através de um talento que, inicialmente, nem sabia que possuía: cozinhar.

Mais uma vez, a humanidade dos personagens é o que me conquista: nenhum deles é ícone insuperável de crueldade, nem tampouco exemplo de santidade. Não há heróis imbatíveis nem vilões detestáveis. Por fim, pode até ser que o filme não desperte muitas reflexões sobre as mazelas da sociedade. Seu mérito está justamente aí: em divertir de forma despretensiosa e inteligente, retratando a realidade sem propor soluções e respostas. É a simples (e tão rara) arte de saber contar uma boa história.

Um comentário:

  1. menina, eu sou suspeitíssima pra falar sobre cinema nacional: assisto tudo que dá com um pouco mais do que complacência. Tenho até um certo orgulho qdo algum ator dá um show de interpretação. (sou capaz de "perdoar" um filme inteirinho por conta de uma cena fodástica rs)

    rascunhei minhas impressões sobre Tempos de Paz e achei - fora a cena belíssima do Monólogo - que o mérito do filme é ver os anos de chumbo com outros olhos: os dos torturadores.

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