sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A peçonha humana

Muita gente tem medo de aranhas, cobras, escorpiões e outros animais venenosos - também chamados de peçonhentos. Mas hoje eu quero alertá-los quanto ao perigo da peçonha humana.

Em primeiro lugar, há que se reconhecer que os seres humanos têm algo em comum com as aranhas: segundo li em diversos sites de biologia, todas são venenosas, embora o veneno de algumas seja inofensivo para nós. Os seres humanos são assim: todos têm o potencial para desenvolver e inocular seu veneno, mas alguns não o fazem, por razões diversas.

Muitos animais peçonhentos possuem características físicas que permitem que sejam reconhecidos. Os humanos venenosos, por outro lado, não têm qualquer sinal que facilite sua identificação. Apenas de olhar, muitas vítimas incautas seriam capazes de jurar estar diante de uma criatura inofensiva (o que acaba facilitando o bote do peçonhento).

Sabe-se que os animais atacam suas vítimas sempre por necessidade, seja para se alimentar ou para se defender. Muitas vezes temos a impressão de que o ser humano é diferente, por ser capaz de ferir, envenenar e até matar sem nenhum motivo.

Mas se olharmos com cuidado, perceberemos que nisto o bicho homem também não se diferencia de outros seres venenosos. Aquele que agride é sempre um animalzinho acuado, dominado por seus próprios medos e inseguranças, que se revelam em forma de agressão. É o preconceituoso que agride homossexuais, o playboy que espanca um mendigo, o metido a valentão que pratica qualquer das formas de violência contra a mulher.

Incapazes de assumir quem são, de encarar a realidade, de responsabilizar-se por seus atos, amedrontadas diante da imagem que têm de si mesmas, essas pessoas reagem tentando se impor de forma violenta. Figuras patéticas que são, não percebem que medo e respeito não se confundem jamais. De nada vale ser um imbecil temido, de quem se ri pelas costas. O covarde não enxerga isso porque é doente.

Não pensem, jamais, que estou justificando os atos de pessoas venenosas. A beleza de ser verdadeiramente humano também reside na capacidade de controlar impulsos doentios. Nem todo mundo que já foi ferido sente necessidade de ferir.

A pergunta é: o que fazer quando se é vítima do veneno humano? Por mais que a tentação inicial seja reagir utilizando a mesma arma, é melhor resistir. É preciso sempre lembrar que não se pode esperar respeito, gratidão, amor ou mesmo educação de quem não possui isso dentro de si. Tudo que o venenoso faz é colocar para fora o que lhe vai no âmago: tristeza, amargura, solidão, infelicidade. Devolver-lhe as palavras e atitudes cruéis só aumenta seu potencial venenoso.

A boa notícia é que o antídoto para a peçonha humana é simples e está ao alcance de qualquer pessoa, prescindindo inclusive de receita médica: é a felicidade. Existem fortes indícios de que o organismo humano, quando constantemente alimentado de afeto, carinho, respeito, convívio familiar, amizades verdadeiras e desinteressadas, pode chegar até mesmo ao ponto de tornar-se imune ao veneno alheio. Não é fantástico?

Posso falar por mim. Minha vida tem sido a cada dia o reflexo de meus atos. Buscando sempre fazer o bem, tenho recebido dádivas imensuráveis. A pirraça dos venenosos infelizes em querer me ver onde eles se encontram (no fundo da fossa) mais cedo ou mais tarde acaba virando piada. E nesse ponto vale a pena fazer valer o lugar-comum: rir realmente é o melhor remédio.


"A violência vem do medo de si mesmo, agredir é se humilhar"
(Poeta de Alhures)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sabe aqueles dias em que...

Você quer falar, mas não tem com quem. Você quer correr, mas não tem forças. Você quer gritar, mas não tem coragem. Você quer chorar, mas tem vergonha. Você quer fugir, mas não tem pra onde. 

Ainda bem que existe o amanhã.


terça-feira, 16 de novembro de 2010

ATENÇÃO: INTOLERÂNCIA NÃO SERÁ TOLERADA!

A resolução 51/95 da UNESCO instituiu o Dia Internacional da Tolerância, celebrado no dia 16 de novembro. A data tem o objetivo de propagar o ideal de incentivo à convivência pacífica entre pessoas de diferentes culturas, povos e crenças. 

O que me chama atenção é que, veja bem, não é o Dia Internacional do Amor ao Próximo. Não é o Dia Internacional da Amizade entre Pessoas de Opiniões Contrárias. Não é nem sequer o Dia Internacional do Respeito.

Ninguém está exigindo que sejamos pessoas de bom coração, dispostas a amar ao próximo como a nós mesmos. Não se espera que sigamos ao pé da letra as palavras de Voltaire e lutemos até a morte pelo direito alheio de dizer palavras com as quais não concordamos. Não é necessário sequer que reconheçamos publicamente que somos todos iguais e que temos os mesmos direitos. Também não se trata de aceitar comportamentos abusivos ou ilícitos, nem tampouco excessos que invadam a esfera particular dos direitos de cada um.

A tolerância que se espera é a simples aceitação, é a permissão do livre exercício de crenças, da expressão de pensamentos e opiniões. É admitir que o diferente existe e tem o direito de existir. É conter o impulso de reagir com violência ao que nos desagrada. É dizer não aos pré-conceitos e pré-julgamentos que nos impedem de conhecer a verdadeira natureza das coisas e das pessoas. É abandonar o medo que sentimos diante do desconhecido e que nos conduz à intolerância. 

É tão difícil assim? Não deveria. :(


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um vício

Os sites de compras coletivas não são exatamente uma novidade. Mas caso você esteja retornando de férias passadas no satélite natural da Terra e nunca tenha ouvido falar nisso, explico: são sites que mantêm parcerias com fornecedores de produtos e serviços, para ofertá-los à venda, por tempo limitado, a um número mínimo pré-determinado de consumidores, por um preço bem mais baixo que o de mercado.

Daí o conceito de compra coletiva: caso o número mínimo de compradores não seja atingido, a oferta é cancelada e o dinheiro de quem comprou é devolvido. A oferta adquirida é válida por um tempo determinado no voucher. O objetivo principal dos fornecedores é o de promover a publicidade de seu estabelecimento, já que o retorno financeiro muitas vezes não cobre o seu custo. Já o objetivo dos sites de compras coletivas é a comissão generosa que recebem dos fornecedores. E o dos consumidores, claro, é comprar as coisas bem baratinhas.

A minha história com os sites de compras coletivas começou quando minha amiga Tati enviou o convite para me inscrever no Peixe Urbano. De cara comprei uma oferta fantástica: três meses de assinatura na Blockbuster, com direito a locar um número ilimitado de DVDs, sendo três de cada vez, sem prazo para devolução, entregues e buscados no meu endereço, pelo preço de R$ 3,00. Não, não era R$ 3,00 por DVD, ou por entrega, esse era o preço para os três meses. Sensacional, não?

Depois eu descobri o Clube do Desconto, o Oferta Única, o Groupon (Clube Urbano), o Clickon, o CityBest, o Curitibando, o Abuze, o Imperdível, o Acesso Zero, o Etiqueta Vermelha e outros (aqui tem uma lista enorme de sites de diversas cidades)... Só o Peixe Urbano já me levou a restaurantes, clínicas de estética, massagistas, depilação a laser, bares, lojas, teatros, uma expedição de bicicleta em Morretes, um passeio de trem, um workshop de trapézio voador numa escola de circo em Mandirituba... Um total de 27 cupons adquiridos em cerca de três meses. Tudo por preços irresistíveis. Nos outros sites comprei mini-álbuns de fotografia, dois meses de aulas de pilates com equipamentos, três meses de dança do ventre, mais almoços, óculos de sol, outra assinatura de entrega de DVDs em casa, muitas massagens relaxantes, duas escovas progressivas, um day spa, revelação de fotografias digitais, dois designs de sobrancelha, escova e hidratação capilar, mais sessões de depilação a laser, peeling de diamante, limpeza de pele, nutrição facial, ingressos para stand-up comedy, drenagem linfática, massagem modeladora, cellutec, enfim, coisas que eu ainda nem sei como funcionam.

Embora já tenha utilizado muitos de meus cupons, tenho no momento quase 40 para serem usados ainda! E ainda que minhas faturas de cartão de crédito estejam astronômicas, continuo acreditando que estou fazendo economia.

Todos os dias recebo por e-mail dezenas de ofertas. Os sites Aponta Ofertas e Vale Junto centralizam ofertas de diversos sites e encaminham aos inscritos, e com isso eu acabo conhecendo cada vez mais sites de compras coletivas. E por mais que eu tente, eu simplesmente não consigo parar! Ontem à noite, mesmo depois de ter constatado que nesse salário vai sobrar mês, não resisti e comprei a oferta de 10 sessões de plataforma vibratória por R$ 90,00...

Se você, pobre consumidor(a) indefeso(a) se identifica com o meu drama, só há uma saída para nós. Proponho aqui e agora a fundação do DECOCA (Dependentes de Compras Coletivas Anônimos). Seguindo o tradicional programa dos 12 passos, quem sabe conseguiremos recuperar o controle sobre nossos cartões de crédito!

Eu começo. Boa noite, pessoal. Meu nome é Oksana e eu sou uma dependente de compras coletivas (reconhecer o problema e nossa impotência diante dele é o primeiro passo). Ehm, já volto, gente, só vou ali dar uma olhadinha no e-mail do Groupalia que acabou de chegar.

Beijinhos!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A lógica do curso de pesca

Os grandes críticos do "mero assistencialismo" costumam usar com frequência a filosofia de que "não se deve dar o peixe, mas sim ensinar a pescar". Há pessoas que acreditam na validade de proporcionar um benefício mínimo, que propicie a mera subsistência de indivíduos em situação de extrema pobreza, embora creiam também na necessidade de qualificação profissional dessas pessoas para que sejam capazes de alcançar sua independência.

Os que são contrários a essa postura não enxergam todas essas nuances: pobreza, extrema pobreza, miséria... É tudo vagabundo ou bandido. Simples assim. E é um absurdo tirar dinheiro de quem trabalha pra alimentar essa gente que, evidentemente (como disse a Sra. Burns Serra acompanhando o marido em discurso aqui em Curitiba), deixa de trabalhar e ensina seus filhos a não trabalharem, porque vale muito mais a pena ficar vadiando e receber uma quantia escandalosa do governo, que pode variar de R$ 22,00 (vinte e dois reais) até R$ 200,00 (duzentos reais) por família.

É por isso que "dar o peixe" não é solução, jamais. O único modo de oferecer ajuda real para os vagab menos favorecidos é ensinando essa gente a pescar! É mostrando para eles que é preciso deixar a preguiça de lado, arregaçar as mangas e ir à luta, como fizeram todos os ricos desse país para chegar onde hoje estão!

Se alguém estiver morrendo de fome (e isso não é um modo de dizer "com muita vontade de traçar um Big Mac", acredite se quiser, tem gente que efetivamente MORRE DE FOME), a solução é oferecer-lhe um curso rápido de capacitação em empreendedorismo. E cobrar por isso, é claro. Afinal, o "mero assistencialismo" ofende a honra e diminui a auto-estima.

O único problema dos adeptos da filosofia do curso de pesca é que eles omitem alguns detalhes básicos de seu Sistema. Em primeiro lugar, o ensino da pesca exige professores altamente capacitados, além de uma estrutura adequada e dos materiais necessários. E isso tudo tem um custo, certo? Mas não se preocupe, senhor futuro pescador, pois o custeio da sua educação na área da pesca poderá ser financiado e, após formado, você terá a chance de pagar por tudo o que recebeu, devidamente corrigido e acrescido de juros à taxa praticada no mercado. Isso, é claro, se você puder atender a todos os critérios burocráticos, oferecer garantias e tiver um bom fiador.

Você não tem uma vara de pescar? Isso não é problema. Você pode utilizar uma vara alugada. Em troca disso, de três a quatro vezes por semana você deverá trabalhar para o Sistema. Caso necessite de anzol e linha, poderá adquiri-los na loja do Sistema, em troca de parte da sua produção semanal.

Também é importante que você saiba que o Sistema detém a propriedade do lago e de toda a região ao seu redor. Por isso, para ter o direito de pescar, você deverá ceder metade dos seus peixes. E lembre-se: as minhocas que vivem nas terras de propriedade do Sistema também pertencem a ele, de modo que, para utilizá-las como isca, você compromete mais uma parte da sua pescaria.

O Sistema não quer que você seja prejudicado, levando muito tempo para se deslocar de sua residência até seu local de trabalho. Portanto, você deverá morar de aluguel numa das casas construídas pelo Sistema na região do lago.

Como a pesca vai beneficiar todos os membros da sua família, nada mais justo que pagar um tributo ao Sistema, proporcional à quantidade de pessoas que vivem na sua casa. Também será cobrada uma taxa referente a obras de melhoria da região do lago e manutenção do material de pesca. E caso você morra, seus filhos deverão pagar uma tarifa de manutenção do direito de pesca.

Talvez seja difícil entender o motivo de tanta benevolência. Explico: o Sistema é orientado por princípios cristãos. A propósito, já ia esquecendo: 10% da sua produção será destinada à Igreja, ok?

É claro que o Sistema, dessa forma, oferece oportunidades reais de desenvolvimento pessoal. O que torna imprescindível a cobrança de uma taxa pela geração de honra e auto-estima.

E não se esqueça: se ao final do mês não sobrar nada além de dívidas para com o Sistema, se seus filhos não têm acesso a educação, saúde, lazer e muitas vezes não têm o que comer e a vida parece não ter sentido, saiba que isso se deve exclusivamente à sua postura derrotista. Certamente você não está trabalhando o suficiente para melhorar de vida. Ou está gastando tudo que ganha em cachaça.

Muitas pessoas dirão que o propósito do Sistema é manter você e sua família na miséria, para que, assim, sua força de trabalho seja utilizada de forma ilimitada para manter um quinto da riqueza de todo o mundo concentrada nas mãos de um milionésimo das famílias, perpetuando um sistema de exploração. O Sistema informa que, se você acreditar nessas besteiras, sofrerá as graves consequências de se aliar a movimentos subversivos e inimigos da liberdade.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

The way I am


Sempre me disseram como me comportar. Não fale de boca cheia, mastigue de boca fechada, cruze as pernas ao sentar, fale baixo, não interrompa quando alguém estiver falando. A soma de anos à minha idade não diminuiu o número de instruções, cada vez mais complexas. Estude para as provas, não use drogas, não ande em más companhias, não banque a adulta, não se faça de criança, abaixe o volume do som, não faça sexo, mas use camisinha. 

Cresci, aprendi a dirigir, fiz faculdade, arranjei emprego, meus quatro terceiros molares (sisos) nasceram, mas continuei ouvindo conselhos não solicitados sobre quem e como eu deveria ser. Não vote em tal partido, não faça sexo antes do terceiro encontro, não seja sarcástica, não demonstre interesse por quem você está interessada.

Ouvi incontáveis dicas de como eu poderia ser uma pessoa melhor. Nunca faltou gente para apontar minhas falhas, meus vícios, minhas imperfeições. Sempre houve quem tentasse me convencer de que eu devia mudar muitas características minhas, mesmo algumas das quais eu mais gostava, caso contrário não seria _________________ [preencha a lacuna com o adjetivo que preferir: feliz, amada, bem-sucedida, respeitada, reconhecida...].

Um dia conheci alguém que não me diz o que fazer e não me pede para mudar. Não me cobra resultados, não exige que eu me adapte, não critica meu jeito de ser. Lança-me diariamente olhares de admiração, respeito, carinho, paixão. 

Nunca ouvi dele que minhas piadas estragam nossos momentos românticos. Ele se diverte. E depois de cada gargalhada ouço um sonoro: eu te amo! Ele apoia minhas decisões, participa dos meus planos e está totalmente inserido nos meus sonhos. Reconhece as minhas virtudes, inclusive aquelas que ninguém antes havia se interessado em enxergar. 

Não sei se um dia alguém já quis que ele mudasse alguma das características que eu amo, mas fico feliz que ele seja exatamente como é, e que me ame exatamente como sou. Isso me faz pensar como todos podemos ser perfeitos, dependendo de quem é o crítico da obra.

Hoje faz dois anos que eu tenho um amor perfeito, e só posso agradecer, sempre, por ele existir, por ser quem é e pela sorte que eu tenho... Porque ele me ama do jeito que eu sou. :)


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Voto consciente

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Em época de eleições, muita gente fica perdida, sem saber quem escolher, já que, na propaganda, todos os candidatos parecem cheios de boas intenções (igual ao inferno...). É comum também ouvir que "votar é um saco"... Mas é só estudar um pouquinho a história do nosso país pra entender que o direito ao voto foi conquistado com muita luta e sofrimento por pessoas que, muitas vezes, nem tiveram a chance de exercer esse direito que nos foi dado de mão beijada... 

Foi o caso, por exemplo, do famoso cartunista Henfil (autor das charges que ilustram esse texto), irmão do militante Betinho, exilado durante a ditadura militar. Henfil fez de seu traço e de seu humor armas sutis contra o regime militar. Assim como seus dois irmãos, Henfil herdou da mãe a hemofilia. Por conta disso, os três contraíram o vírus da Aids em transfusões sanguíneas. Depois de muita luta pela democracia, Henfil morreu de Aids, aos 44 anos de idade, sem nunca ter votado para presidente.

Também foi o caso de tantos torturados e mortos nos porões do DOI-CODI. Tanta gente obrigada a atuar na clandestinidade simplesmente para manifestar seu pensamento sem sofrer consequências nefastas! Hoje temos a liberdade tão fácil que não damos a ela o valor que merece. Podemos divulgar à vontade até a mais patética das ideias, desde que não seja difamatória, racista ou consista em qualquer tipo de crime. 

Então eu não concordo que votar seja um saco. É trabalhoso, sim. Mas veja: a gente não compra uma casa sem antes pesquisar se o preço está de acordo com o mercado, sem conhecer o bairro, a vizinhança, sem checar a estrutura, verificar se a documentação está correta... A gente não vai fazer o financiamento ou assinar o cheque sem verificar tudo isso, só porque o anúncio no jornal diz que é uma oportunidade imperdível, certo? Dificilmente alguém (que tenha opção de escolha, claro) decide a escola em que o filho vai estudar sem ter qualquer informação sobre o lugar, os professores, a direção, o método de ensino... Mesmo que o comercial na televisão mostre criancinhas felizes e sorridentes, os pais vão querer ter certeza de que estão fazendo a melhor escolha, dentro de suas possibilidades.

Ao votar, escolhemos nossos representantes, que tomarão em nosso nome decisões que traçarão os rumos do nosso país pelos próximos anos. Por que deveríamos escolhê-los só pelo que vimos na propaganda eleitoral gratuita, ou porque recebemos um santinho na rua, ou porque um conhecido disse que vai votar em tal pessoa? Um direito conquistado com tanto sacrifício merece ser trocado por algum favor de um candidato que já mostra seu caráter antes das eleições comprando votos? Será que é certo se deixar levar por notícias tendenciosas de jornais, revistas e emissoras de TV/rádio que têm seus interesses fortemente comprometidos com determinados candidatos ou partidos? E ainda: devemos acreditar em qualquer corrente cibernética que recebemos por e-mail sem atestar a veracidade ou confirmar a fonte das informações?

Acredito que, para fazer valer a democracia, precisamos cada vez mais escolher com cuidado, fiscalizar os eleitos, e exigir que façam o trabalho para o qual foram escolhidos com honestidade, que honrem o compromisso firmado com a sociedade.

Para quem conhece o valor de seu voto e deseja fazê-lo de forma consciente, felizmente, já temos à nossa disposição muitos mecanismos para investigar o passado, as propostas e as campanhas dos candidatos. Compartilho alguns desses mecanismos com vocês:

O site Transparência traz várias informações interessantes. Dentre elas, destaco o relatório de autodoações de campanha. Muitos candidatos supostamente "doaram" para a própria campanha valores muito superiores ao total de seu patrimônio. Por exemplo: o fulano possui patrimônio total no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e doou para a própria campanha o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). De onde veio esse dinheiro? Qual o salário que essa pessoa precisaria ganhar para ter uma reserva dessas? Ou o candidato não declara a totalidade de seus bens, ou não declara a proveniência do dinheiro de sua campanha! 

O site Excelências acompanha os parlamentares em exercício no país. É possível saber quem sofreu alguma ação ou investigação (seja no Poder Judiciário ou no Tribunal de Contas), quem falta mais às sessões, as viagens, a produtividade, a variação do patrimônio e muito mais. 

No site Às Claras podemos verificar quem financiou a campanha de quem nas eleições de 2002, 2004 e 2006. É possível saber nome e CPF/CNPJ de cada doador ou, na ausência de qualquer identificação, dá pra desconfiar do candidato, especialmente quando grandes somas não têm sua origem explicada.

Já o Vote na Web é um site em que é possível conhecer os projetos de lei em trâmite no Congresso. Os visitantes cadastrados podem dizer se aprovam ou não a iniciativa. É bom saber se a pessoa em quem você pretende votar já fez alguma coisa que preste, ou só propôs projetos de alteração de nome de rua ou de praça e outras coisas super úteis.

O Guia Voto Consciente da Gazeta do Povo também tem informações interessantes, especialmente no Portal dos Candidatos, que mostra a declaração de bens, antecedentes criminais e prestação de contas de todos os candidatos paranaenses. A busca pode ser feita por partido, região de atuação, nome e cargo pretendido.

Existem mais iniciativas interessantes, como os sites 10 perguntas (para os presidenciáveis), Adote um vereador, Cidade Democrática e muitos outros, em diversas cidades e estados.

Em resumo, não desperdice o seu voto. Faça valer esse direito que a nossa Lei Maior nos assegura. Conheça o seu candidato, procure compreender suas propostas e perceber se elas têm a ver com suas necessidades e seus anseios. De repente o principal projeto do seu candidato é aumentar o efetivo de policiais nas ruas, mas você pensa que investir na educação e na saúde é o caminho mais inteligente para diminuir a criminalidade. E aí? Será que não existe outro candidato com planos mais alinhados com o que você acredita?

Por fim, mesmo que o seu candidato não se eleja, não deixe de fiscalizar o que os eleitos andam fazendo. Mande e-mails, telefone para o gabinete, denuncie na internet sempre que um deles trair a nossa confiança. O que está em jogo é o seu futuro e o das pessoas que você ama!

Clique para aumentar

Abraços e bons votos a todos! ;)

Oksana

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Promoção de aniversário

Pessoal, o blog Atelier Vanessa Maurer é recheado de coisas lindas e fofíssimas para o lar. Agosto é o mês de aniversário do site e, para comemorar, a Vanessa vai sortear um cabideiro. Para participar, clique aqui e siga as regrinhas.

Eu já estou participando! Corre que ainda dá tempo! ;)

Beijos.

domingo, 15 de agosto de 2010

Um amor antigo...

Quando eu era criança, vivia pedindo coisas para minha mãe. Uma Lu Patinadora, o carro da Barbie, um Pense Bem... Não ganhei nenhuma dessas coisas, mas tive uma bicicleta Caloi Cecizinha azul (o hit entre as meninas era rosa, mas eu gostava era de azul) com cestinha, uma Amore, um Manequinho e dúzias de outras bonecas, que eram meu passatempo preferido. Minha mãe sempre fez questão de me ensinar que não era possível ter tudo. Ela trabalhava bastante para me dar tudo o que podia, mas não me transformou num monstrinho insaciável do consumismo.

Tinha uma coisa, no entanto, que eu pedia com mais frequência, e nunca desistia diante das negativas recorrentes. Eu queria um irmão. Minha mãe explicava que, para isso, precisava antes encontrar um pai para ele. Eu achava bobagem. Afinal, meu pai era uma figura quase inexistente na minha vida, e nós duas estávamos muito bem sozinhas, mas minha mãe não parecia se contentar com a minha lógica.

Eu já tinha 11 anos de idade quando finalmente ganhei o presente tão esperado: o Gabriel nasceu. Muita gente me perguntava se eu não sentia ciúmes, por ganhar um irmãozinho após reinar absoluta por mais de uma década como filha única. Eu sentia ciúmes, sim, do pequeno. Se dependesse de mim, ninguém mais o pegaria no colo além de mim. Tudo bem, eu o emprestava à minha mãe sem problemas, e até ao meu padrasto, afinal os dois detinham os direitos autorais. Mas as outras pessoas eram por demais inconvenientes.

Desde pequeno o Gabriel já era lindo e gentil. Quando tinha alguma guloseima, ele sempre fazia questão de guardar um pedaço para mim. Já eu preferia comer tudo e esconder a embalagem vazia - se ele não soubesse que o doce havia existido, não passaria vontade, certo? Cada um à sua maneira, sempre pensamos um no outro. 

O pobrezinho sofria muito nas minhas mãos quando eu resolvia dar surras de cócegas. Eu continuava até ele perder o fôlego ou dizer as palavras mágicas: "me acuda, Maria Papuda". Graças a essa prática, ele desenvolveu uma capacidade respiratória muito maior, e eu me tornei mestra imbatível na arte das cócegas.

O Gabriel sempre foi o defensor dos injustiçados. Na escola, conversava com o menino excluído por ser esquisitinho, não achava graça quando chamavam um mais delicado de viadinho e brigava com os guris que maltratavam o bolsista por ele ser pobre. Eu tentava ensiná-lo a se defender da violência dos truculentos, mas ele jamais teria coragem de machucar alguém. Então tive que me conformar. Afinal, eu também era do tipo que apanhava na escola, e sobrevivi sem maiores sequelas.

Ao longo de sua infância, meu irmão ganhou de mim diversos apelidos carinhosos, dentre os quais, um dos mais marcantes foi "pequeno semiletrado". Agora o menino está todo inteligente e estragou toda a graça para mim. Cabeção e suas variações (Cabeçote, Cabeça, Cabeçola, Cabeçudo), porém, seguem com força total. Quando minha mãe registrou o nome dele na agenda do celular como "Gabriel Cabeção" ficou claro que não tem mais volta.

Falando assim, pode parecer que eu fui (ou sou) uma irmã cruel. A verdade é que eu, pensando exclusivamente no bem do meu pequeno irmão, sempre fiz questão de prepará-lo para as adversidades que enfrentaria no mundo lá fora. 

Brincadeiras à parte, como a diferença de idade entre nós é bem grande, eu sempre fui muito protetora. Ainda hoje sou assim: se alguém faz alguma coisa contra mim, penso um milhão de vezes se vale o esforço de tomar uma atitude defensiva. Mas ai de quem mexer com meu irmãozinho! Viro bicho!

A primeira menina de quem ele gostou era uma monstra. Gordinha e muito maior do que ele, que era o mais baixinho da sala. Quando perguntei se não a achava grande demais para ele, respondeu: "não, ela é só uma cabeça maior que eu". Ah, bom, então tá. Depois, descobriu o gosto pelas orientais, e o coração passou a palpitar cada vez que via uma japonesinha.

Existe algo de diferente no amadurecimento de meninas e meninos. Elas crescem um pouquinho a cada dia, de forma gradual e harmoniosa. Eles não: desenvolvem umas partes antes das outras, esticam da noite para o dia, desafinam a voz por meses e passam por fases muito estranhas. Então é algo surpreendente para uma irmã mais velha quando, num dia qualquer, aquele garotinho franzino se transforma num homem lindo.

Hoje faz 17 anos que minha mãe trouxe ao mundo esse presente tão especial para todos que têm a sorte de conhecê-lo. Fisicamente, só foi mais lindo do que é hoje naquela época em que eu queria ter exclusividade de colo. Era um bebê tão fofo... Hoje é um gato! 

Além da beleza física, tem um coração de ouro. Continua gentil, atento às necessidades alheias, justo, honesto, sincero e cheio de amigos. Como homem da casa, cuida bem da nossa mãe. Como irmão, não poderia ser melhor. 

Tenho certeza de que vou conservar a mania de cuidar dele por toda nossa vida. Mesmo quando ele pensar que já sabe se virar sozinho. Esse cuidado de irmã mais velha não vem só de laços consanguíneos, vem do amor de quem já esperava por ele desde sempre.

Feliz aniversário, Cabeção! Amo você!

Beijos da irmã preferida.

Os homens da minha vida: Dé e Biel

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cuidando do meu nariz! Parte 2

Então, passados tantos anos, embora as lembranças torturantes da minha primeira ronoplastia ainda permaneçam vívidas em minha memória, resolvi que era chegada a hora de superar o trauma e buscar a realização daquele velho sonho de respirar. Minha colega de escritório tem uma amiga anestesista, que trabalha num hospital especializado em otorrinolaringologia. Essa pessoa fez uma listinha dos profissionais cujos pacientes têm os melhores resultados e saem mais satisfeitos com seus novos narizes.

Munida dessa lista de indicações, mirei nos dois primeiros. Um deles tinha agenda lotada pelos 2 meses seguintes e o outro não atende por convênio. Diante disso, considerei que a terceira colocação na lista não devia ser ruim. Marquei a consulta com o Dr. Medalha de Bronze.

O médico me pareceu confiável. Cara de caxias, estudioso, o que é um bom sinal num médico. Sempre asseverando que não queria ser anti-ético, deixou claro que a minha primeira cirurgia foi um horror. Achou absurdo eu ter tomado anestesia geral, a cirurgia ter demorado 3 horas, eu ter usado tampão, disse que além de o meu desvio de septo não ter sido corrigido, a situação foi agravada pela formação de cicatrizes grandes por dentro do nariz que impediam ainda mais a minha respiração. Afirmou ter certeza de que havia alguma espécie de enxerto na ponta do meu nariz, aquela que um dia foi a mais feia do mundo.

Marquei a cirurgia, fiz todos os exames necessários, consultei com o anestesista e voltei a consultar o otorrino 4 dias antes da data da operação. Conversamos sobre o pré e o pós operatório e recebi as recomendações necessárias. O médico fez mais um exame, ressaltando que a minha primeira cirurgia deixou meu nariz torto, mas que nisso ele não ia mexer. Perguntei então se não era possível corrigir também esse problema.

Esperava que a resposta fosse uma das alternativas a seguir: a) bem, isso implica numa correção estética, que seu plano não cobre, portanto vai lhe custar tantos milhões de reais; b) farei o possível, mas não posso prometer um resultado excelente porque é muito difícil corrigir uma cirurgia anterior; c) essa não é minha especialidade, então talvez você queira procurar outro médico.

Porém, o que ouvi foi: "Não, vamos só fazer você voltar a respirar. Depois você liga para o médico que te operou e diz que quer uma revisão". Ehm... Cuma? Ligar para o médico que o Sr. disse que destruiu meu nariz, depois de 10 anos, e dizer que quero a revisão dos 100.000 km? Evidentemente que se eu estivesse contente com o trabalho dele não haveria razão para estar buscando outro médico depois de uma década.

Mas ele estava irredutível: "Veja, é muito complicado mexer no trabalho de outro cirurgião... Vamos mexer só no septo, depois se você quiser arruma o resto". Sim, claro, posso muito bem tirar férias de novo, pagar instrumentação cirúrgica de novo, comprar remédios de novo, passar por duas cirurgias, dois períodos de recuperação, duas internações... E o Dr. assim concluiu: "Vamos fazer só isso, que assim eu fico mais tranquilo".

Bem, se é para deixar o médico tranquilo, faço qualquer coisa. Penso que seja obrigação de qualquer paciente consciente fazer tudo que estiver ao seu alcance para tranquilizar o médico que vai meter um bisturi no meio da sua face. A última coisa que queremos é ver essa pessoa nervosa, certo? Diante disso, resolvi tomar uma atitude que deixaria o Dr. Medalha de Bronze extremamente sossegado: desmarquei a cirurgia.

Imagina se chega um cliente em potencial ao meu escritório e conta que está sendo atendido por um advogado incompetente, que perdeu o prazo para protocolar um recurso, e que gostaria que eu assumisse a causa e fizesse o possível para reverter a situação. Eu olho para o cara e digo: "Olha, se você tiver alguma coisa mais fácil de ganhar, pode deixar que eu resolvo para você. Mas quanto a esse problema difícil, você liga para o irresponsável que está te representando no processo e diz que é pra ele continuar fazendo a mesma merda. Assim eu fico mais tranquila."

Marquei consulta então com os dois primeiros da lista, como devia ter feito antes. Um só tinha consulta para dali a duas semanas. O que não tem convênio, obviamente, tinha consulta para o dia seguinte. Esse médico me foi recomendado como o melhor em termos de estética. É um otorrino extremamente competente, professor e chefe do setor de Otorrinolaringologia da UFPR e, no que se refere à estética, foi definido pela anestesista que trabalha no hospital como um artista.

Eu sabia que pelo menos a consulta eu tinha condições de pagar. Além disso, o meu maravilhoso plano de saúde, que tenho graças ao emprego lindo do meu marido lindo, também cobre, ao menos parcialmente, procedimentos com médicos não conveniados. Então, valia a pena conferir se tinha jeito.

Já na consulta, concluí que o Dr. Marcos Mocellin era a escolha mais acertada. Não só pela experiência e pelas recomendações (várias outras pessoas também me garantiram que ele era excelente), mas pela confiança que ele passa, pelo modo atencioso e honesto que me atendeu. Explicou que realmente não seria fácil corrigir a primeira cirurgia, pois o tecido cicatrizado é fibroso, além de ele não saber o que iria encontrar ao abrir meu nariz. Também disse que aquilo na ponta parecia um enxerto.

Foi então que meu nariz ganhou o apelido (dado por mim) de Kinder Ovo, porque só ao abrir o Dr. Medalha de Ouro saberia o que tinha dentro. O Dr. Marcos disse, então, que não poderia me prometer o nariz mais lindo do mundo, pois o caso apresentava limitações próprias, mas que faria o melhor possível e, sem dúvida, melhoraria o aspecto estético e corrigiria totalmente a parte funcional. Era o que eu queria ouvir.

Ele explicou da dificuldade que é tentar corrigir o trabalho de outro profissional, porque é o nome dele que ficará associado ao resultado que eu tiver, e não do primeiro, que fez a bobagem. E é tão verdade que não cito aqui o nome do cirurgião que estragou meu nariz (que poderia pleitear uma indenização por danos morais seu eu fizesse isso, e eu prefiro não me arriscar), mas cito o do Dr. Marcos, que o consertou. Claro que só faço isso porque estou satisfeita com o resultado, que não é o nariz da Barbie (que nem combinaria com meu rosto), mas está de fato mais harmonioso e, o melhor, funcionando perfeitamente.

Após consulta do maridão ao setor responsável em sua empresa, descobrimos que o maravilhoso plano de saúde cobriria a maior parte do custo orçado para a cirurgia. Obviamente, marquei a operação para o primeiro dia em que o Dr. Marcos tinha horário disponível.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Cuidando do meu nariz!

Bem, queridos, estou de volta ao trabalho. Oi? Você não sabia que eu estava de férias? Sim, claro, estava ocupada demais fazendo nada para vir aqui e escrever que estava de férias. Mas agora acabou. 

Em sentido geral, pode-se dizer que voltar ao trabalho é uma coisa boa. Significa que sou um ser humano capaz e produtivo, que tenho uma ocupação, um meio honesto de obter uma contraprestação por meus serviços, possibilitando que eu pague minhas contas, adquira coisas que eu quero, realize sonhos, conquiste objetivos. Em sentido estrito, porém, significa apenas que em vez de estar de pijama embaixo das cobertas vendo Two and a half men estou com as mãos congelando no teclado, cheia de prazos a cumprir. Saco.

Essas minhas férias fugiram completamente à ideia glamourosa de viajar, escapar desse frio tenebroso, conhecer outros lugares, tomar marguerita no bar da piscina, aquela coisa básica. Tirei duas semanas para incorporar a sabedoria dos nossos irmãos ursos e hibernar. Passei tanto tempo deitada - dormindo, lendo, assistindo à TV ou comendo - que meu corpo está inteiro dolorido, ainda tentando se habituar novamente à posição vertical. 

Aproveitei também para fazer uma pequena intervenção cirúrgica em meu nariz, para realizar um velho sonho... Respirar. Ah, a alegria das pequenas coisas... 

Na verdade eu já fiz uma rinoplastia há 10 anos. Embora tenha melhorado um pouco o aspecto estético do meu nariz - que era simplesmente MEDONHO - a cirurgia não ajudou em nada na parte funcional. E graças à minha impossibilidade quase absoluta de respirar pelo nariz, com o tempo fui ganhando cada vez mais problemas: uma tosse constante, manchas nos dentes e até uma alteração progressiva da minha arcada dentária superior, prejudicando minha mordida. 

Mesmo assim, operar o nariz DE NOVO não foi uma decisão nada fácil, porque a primeira vez foi bastante traumatizante. Eu não sou de fazer drama à toa, suporto a dor com relativa facilidade e aquela nem foi a minha cirurgia mais difícil, mas acredite: eu sofri. 

Primeiro que o meu cirurgião era um poço de sensibilidade. Na primeira vez que me examinou, comentou com o médico residente ao seu lado: "Olha a ponta desse nariz! Sério, nunca vi uma ponta de nariz tão feia na minha vida!". E eu tipo: "Ahm, com licença, não quero incomodar, mas... Eu estou aqui."

Além disso, não sei se foi somente o fato de as técnicas cirúrgicas serem mais primitivas à época, se o meu nariz além de ter a ponta mais feia do mundo ainda era o mais difícil de operar do universo ou o cirurgião não era dos melhores, mas eu acordei da anestesia completamente desfigurada. Claro que eu não sabia disso, já que estava lentamente despertando de uma anestesia geral, e não tinha como entender porque as pessoas que tinham conversado comigo alegremente horas antes (outros pacientes que conheci enquanto esperava ir para o centro cirúrgico) me olhavam como se eu fosse uma estranha. "Devem estar bem loucos da anestesia", eu pensava.

Aí a enfermeira vinha, muito gentil, e enxugava com um chumaço de algodão as lágrimas que escorriam do meu olho direito. Nunca as do esquerdo. Quando consegui erguer a mão até os olhos descobri a razão: o que escorria do meu olho direito não eram lágrimas, mas sim sangue que saía do meu nariz e entrava no olho. Até que a gênia da enfermeira finalmente teve a ideia de reclinar um pouco a cama, de modo que o sangue escorresse só por baixo, a não por todas as partes.

Meu rosto estava inteiro inchado e cheio de hematomas. Até minhas gengivas e meu céu da boca incharam. Parecia que tinham tocado fogo em minha face e apagado com um tamanco holandês. De repente, um sopro de conforto em meio ao sofrimento: minha mãe surgiu na porta da sala, procurando por mim. Eu disse "oi", e ela continuou procurando por mim. Chamei, ela me olhou, e continuou procurando por mim. Eu estava ainda muito atordoada para entender a verdade: minha mãe não me reconhecia. Quase tive que lembrar de algum segredo só nosso para dizer e provar que eu era eu mesma. Quando finalmente ela se convenceu de que aquela figura disforme era sua filha, com sua voz doce, disse-me: "já volto" e foi lá fora desmaiar.

Os dias seguintes foram bem difíceis. Eu sentia dor o dia todo. Queria morrer quando as pessoas apareciam pra me visitar. Minha mãe dizia: "Mas como vou dizer para não virem?", e eu: "Dizendo! Fala que tenho uma doença infecciosa e mortal!". Mas minha mãe, presa às convenções sociais, achava falta de educação. Hoje me pergunto se ela não estava secretamente cobrando ingresso dos visitantes.

Depois de uns dias, voltei ao consultório do médico para tirar o tampão, forma moderna de tortura, consistente em pedaços quilométricos de gaze embebida em pomada, socada nas vias nasais até as proximidades do cerebelo. As secreções e o sangue tendem a ressecar dentro do nariz, fazendo a gaze aderir ao tecido em processo de cicatrização. Feito isso, num exercício extremo de sadismo, o algoz médico puxa a gaze com uma pinça, descolando pedaços da alma do paciente no processo.

Findo o sofrimento, terminei com um nariz esquisito, torto, com uma ponta excessivamente arrebitada, e o melhor: respirando exclusivamente pela boca. Meu cirurgião, sempre sensível aos anseios da alma feminina, concluiu: "Não ficou dos 10 mais bonitos, mas, comparado ao que era, acho que está ótimo!".

Agora aposto que você entende porque demorei mais de 10 anos para reunir toda coragem necessária para enfrentar a faca de novo. 

Bem, como disse, estou de volta ao trabalho, o que me impede de passar o resto do dia escrevendo no meu blog. Sim, eu sei, trabalhar é super inconveniente. Vou almoçar agora, e amanhã ou depois eu volto para contar o restante da aventura.

terça-feira, 13 de julho de 2010

A vida é um espetáculo imperdível

Eu tinha cinco anos. Minha mãe, 29. Andávamos de mãos dadas no condomínio em que vivíamos, quando nos deparamos com duas irmãzinhas lindas, de cachos dourados e olhos claros, brincando no parquinho. Muito simpáticas, acolheram-me de imediato e ali teve início nossa amizade. A Lucie tinha quatro anos e a Julie tinha três.

A mãe delas, a Narli, era uma moça linda de 25 anos de idade. Assim como minha mãe, enfrentava o desafio de cuidar de seus rebentos com pouca ou nenhuma ajuda do pai. Claro que suprir as necessidades de duas é mais difícil do que de uma. Por isso a Narli trabalhava demais. Muitas vezes, as meninas ficavam lá em casa, enquanto a Narli fazia horas extras. Para nós, claro, era uma festa.

Minha mãe e a Narli logo se tornaram melhores amigas, irmãs, inseparáveis. Trabalharam na mesma empresa, deram força uma à outra, dividiram confidências, enxugaram lágrimas e deram muitas risadas juntas. Anos depois, a Narli teve mais uma menina, a Dani, e escolheu minha mãe para ser sua madrinha.

Com o passar do tempo, muita coisa aconteceu. Meu irmão nasceu, minha mãe casou e se separou, a Narli mudou de cidade mais de uma vez, a Julie teve uma menina, depois um menino, e mais uma menina. A Lucie teve uma menina também. E a Dani, há cerca de uma semana, deu à luz um garotinho lindo. Eu e o Dé compramos nossa casa e fomos morar juntos.

Cada uma das pessoas envolvidas nessa história vivenciou seus próprios dramas particulares. Todos nós sofremos revezes da vida que, em diversas situações, afastaram nossos caminhos.

Mas a amizade entre minha mãe e a Narli é daquelas que sobrevive ao tempo, à distância. E elas sempre se mantiveram próximas, de alguma maneira. Há uns dois meses, a Narli mandou um e-mail à minha mãe falando exatamente disso: do quanto era importante saber que, mesmo quando passavam algum tempo sem ter contato, a amizade delas continuava existindo, firme e forte.

Há cerca de um ano, a Narli se encontrava numa situação do tipo que costumamos classificar como “o fundo do poço”. Numa depressão profunda, desejando morrer, sem forças para dar um passo adiante. Minha mãe se fez presente e almejou ardentemente rever na amiga a figura batalhadora, alegre e cheia de vida de tempos atrás.

E ela ressurgiu. Redescobriu a vontade de viver. Reconciliou-se com as filhas amadas, fortaleceu os laços com os netos tão queridos. Atrevo-me a dizer que rejuvenesceu. Superou os medos, os traumas, os dramas. Passou a enxergar em cada instante uma oportunidade de ser e fazer feliz. Em suas palavras, refletia um amor imensurável pela família, por Deus e pela vida com que Ele a presenteou.

Impossível não fazer referência à famosa ave mitológica que renasce das cinzas, como lembrou sua primogênita Lucie, hoje, ao lado do caixão da mãe. “Minha mãe é como a Fênix”. Aos 48 anos, nossa querida Narli deixou nosso plano material, levada por uma fatalidade tão difícil de entender quanto de aceitar.

Em suas últimas horas de vida, buscou acalmar seus entes queridos, assegurando-lhes que ficaria bem, pois ainda tinha muito que viver. Declarou seu amor às filhas e aos netos diversas vezes. E repetiu uma frase que gostava de dizer: “a vida é um espetáculo imperdível”. Ela dizia que precisamos ter coragem de sair da plateia e subir ao palco.

Só quem sobe ao palco pode um dia sair de cena sob aplausos. Narli encerra o espetáculo no auge da peça, em seu momento mais glorioso. Assim, sua história não será recordada como tragédia, mas como um exemplo brilhante de superação. Sua lembrança, que hoje nos conduz às lágrimas, certamente será em breve motivo de sorrisos saudosos.

A maior homenagem que lhe podemos prestar é seguir a lição que ela mesma aprendeu com sofrimento, mas ensinou com amor: é preciso apaixonar-se pela vida. Viver sem medo, sorrir sem motivo, amar sem limites.

Mais uma vez, empresto as palavras da Lucie: “as cortinas se fecham aqui, para se abrir em outro lugar”. Siga em paz, querida. Foi uma grande alegria fazer parte de sua história, durante 23 anos da minha vida. Um dia a gente se encontra, em outros palcos por aí.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Força do hábito

A virtude humana é fraca, por isso o preço de resistir a tentações é a vigília constante. A vontade humana é igualmente débil - vide resoluções de ano novo abandonadas antes do carnaval. A constituição física do ser humano também é frágil: mesmo o corpo do mais rijo dos atletas perece em algumas décadas. Entretanto, uma força extraordinária reside em algo tipicamente humano: o hábito. 

Muitos hábitos nos acompanham desde a infância. Aprendemos logo cedo a erguer a voz quando queremos impor nossa vontade, quando disputamos pela primeira vez o balde de areia com um amiguinho no parque. Aprendemos a colocar a culpa no outro, quando perguntaram quem quebrou o vaso e dissemos que foi o gato. Por outro lado, se tomamos banho diariamente, escovamos os dentes após as refeições, dizemos "por favor", "obrigado" e "com licença", respeitamos os mais velhos, é porque nossos pais, avós e professores se dedicaram à árdua missão de nos ensinar boas maneiras, incutir-nos noções de higiene e educação.

Daí já se nota que a principal diferença entre os bons e os maus hábitos não é a consequência deles, mas sim o modo como nascem. Os maus, por mero descuido e desatenção. Os bons, com muito empenho e constância.

Conforme amadurecemos, a rotina do trabalho, dos estudos, da casa e dos relacionamentos agrega uma série de hábitos à nossa personalidade. E com a prática, os hábitos adquirem uma força indiscutível. Por força do hábito, você acorda cedo sem despertador no domingo, mesmo que seja só para se virar e babar do outro lado do travesseiro. Por força do hábito, você disca o zero antes de fazer uma ligação - do telefone de casa.

Quanto mais o tempo passa, mais fortes os hábitos ficam. Ganham o status de manias. Os muito ruins, de vícios. E nós, seres humanos, com nossas fraquezas de corpo, virtude e vontade, temos cada vez menos condições de lutar contra eles. Corrigir um mau hábito na infância é fácil, mas tente convencer um idoso a fazer algo diferente da forma que tem feito há décadas (como minha ex-vizinha, D. Aurora, que todas as manhãs esvaziava seu velho penico nas plantas do jardim).

Diante disso, adiar transformações necessárias para um futuro de debilidade física e, quiçá, mental, é perder a batalha de antemão. Não adianta ficar esperando que sejamos um dia mais fortes do que somos hoje. Hábitos fortalecidos ao longo de uma vida inteira inevitavelmente se tornarão invencíveis.  A solução ideal seria não criar o monstro. Mas ela esbarra, é claro, nas nossas fraquezas. E então surge uma ideia brilhante: se devo ceder à força de meus hábitos, o melhor a fazer é empenhar meus esforços na implementação de bons hábitos, para que sejam estes os incorrigíveis no futuro.

Quando se fala em bons hábitos, todo mundo pensa em exercícios físicos diários, alimentação saudável, dormir bem. Mas e se formos além? E se ousarmos pensar em hábitos que não fazem bem somente à saúde, mas nos fazem felizes?

Todas as manhãs, logo depois que levantamos, eu e meu marido nos abraçamos forte e desejamos bom dia um ao outro. Nosso abraço matinal é imprescindível para começar bem o dia. Talvez muito mais importante que um café da manhã bem servido.

Queixar-se do trabalho, reclamar do governo, encaminhar e-mails inúteis, fazer fofoca, criticar atitudes alheias, jogar tempo fora. Hábitos ruins que fazem parte da vida da maior parte dos seres humanos, e não foi preciso esforço algum para que eles se instalassem.

Por que então não se dedicar a implementar o hábito de ser feliz? Meditar de vez em quando; fazer uma oração antes de dormir, agradecendo por mais um dia de vida; dizer "eu te amo" com mais frequência; elogiar alguém; desejar bom dia de verdade, não por obrigação; prestar atenção à paisagem enquanto caminha, em vez de olhar para o chão e pensar na agenda lotada. Desligar a TV e ler um livro; preparar uma receita nova todo final de semana; visitar os amigos; preocupar-se menos e rir mais; separar o lixo para reciclar; experimentar uma coisa diferente toda semana ou, se possível, todo dia.

Sempre consideramos correto nos dedicar a tudo que possa nos proporcionar mais sucesso, estabilidade financeira, experiência profissional, tudo que nos dá aquela imagem de pessoas responsáveis, esforçadas, trabalhadoras e sérias. Empreender esforços na simples busca da felicidade, da alegria, do bem-estar parece tolice, coisa de quem está com a vida ganha ou tem tempo a perder.

Pois bem, ao invés de nutrir neuroses, úlceras e outros problemas de gente sérias, eu quero dar cada vez mais força a hábitos deliciosos como os abraços matinais do meu marido. E quando eu já for idosa, espero que digam de mim: "Aquela velha ali? Tem uma mania incorrigível de ser feliz."

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dias de inverno

Interessante como membros da tribo urbanóide têm a crença de que a natureza seja um lugar. E mais: um lugar distante. A gente passa um final de semana no sítio para "entrar em contato com a natureza". Às vezes é preciso ir mais longe. Escalar uma montanha, ir a uma praia deserta, embrenhar-se por trilhas tortuosas e virar notícia no jornal das 8h, após o resgate pelos bombeiros.

Uma das definições da palavra "natureza" é o conjunto das coisas que de fato existem. Daí conclui-se, por evidente, que o ser humano faz parte da natureza. Entrar em contato com ela, portanto, pode ser uma viagem tanto ao cerrado quanto às profundezas do próprio ser. Mas admito que abraçar uma árvore é bem mais fácil do que o longo e árduo processo de autoconhecimento.

Um pequeno passo que pode dar início a essa jornada é observar como o restante da natureza se move. Nós, filhos rebeldes e arredios, fazemos de tudo para fugir das regras e viver da nossa própria maneira. Mesmo que isso signifique vivenciar uma sequência infindável de frustrações, sustentamos uma nem sempre verdadeira sensação de liberdade. 

Já os demais elementos - minerais, vegetais ou animais - preferem viver de acordo com as regras. A água não se esforça para se manter congelada quando a temperatura sobe; as cadelas não andam a seduzir machos quando não estão no cio; as flores não desabrocham fora de época.

A maior parte dos humanos rejeita a autoridade da natureza. Fazemos tudo quando e como bem entendemos. Vamos para a balada no momento em que corpo e alma exigem recolhimento e repouso. Ficamos em casa dormindo quando o organismo pulsa por ação. Cravamos pedúnculos em solo arenoso, quando o vento sopra em direção a terrenos mais férteis. Mantemo-nos encapsulados em semente, no meio de um jardim florido.

Talvez a vida possa ser mais simples se pudermos compreender melhor nossas estações. Aproveitar os dias longos e a sensação de plenitude do verão. Respeitar o tempo de plantar e de colher. Entender que há uma razão de ser para os dias de inverno.

Quem deixa de semear no tempo certo, não terá o que colher. Quem se distrair do momento da colheita, deixará que o fruto apodreça. Nos dias em que o frio e o cinza nos inspiram a seguir o exemplo dos ursos entorpecidos em suas tocas, é uma pena não podermos fugir do trabalho e outras obrigações para hibernar até que o sol volte a despontar. Mas aproveitar o momento para aprofundar a viagem ao âmago de si mesmo é uma opção viável para quem está em sintonia com a própria natureza.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Aos avulsos

Mais um 12 de junho se aproxima. Aos que acreditam que essa é mais uma data de estrito apelo comercial, informo que estão absolutamente certos. Em outros países, o equivalente ao nosso dia dos namorados é o 14 de fevereiro, dia de homenagem a São Valentim, que supostamente lutou contra as ordens de um imperador malvadão que havia proibido os casamentos na Idade Média.

O Valentine's Day coincide com a véspera das festas realizadas na Roma antiga em honra de Juno (deusa da mulher e do matrimônio, não a moça do filme) e de Pan (deus da natureza, não a rádio, nem os jogos). Uau, realmente surpreendente e raro que tenha surgido uma lenda sobre um santo católico milagroso e romântico justamente na data de um ritual pagão de fertilidade, não? Mas isso não vem ao caso.

Por falar em paganismo, no Brasil, o dia dos namorados foi ideia de um publicitário chamado João Dorio. A data foi escolhida por duas razões: a primeira é por ser véspera do dia de Santo Antônio, nosso popular casamenteiro. A segunda (e principal) é que o meio do ano costumava ser pobre para o comércio brasileiro. Do dia das mães (em maio) até o dia dos pais (em agosto), o povo não tinha nenhuma razão para movimentar a economia e demonstrar afeto através do consumismo desenfreado. Então coube aos nossos brilhantes publicitários popularizarem o conceito e transformarem a data em mais um momento de gastos obrigatórios.

Para quem está desacompanhado, essa época do ano é bastante propícia a depressão profunda, isolamento social, tentativas de suicídio, sensação de absoluta incompetência emocional e atitudes desesperadas. Destas últimas, destaco as mais comuns: telefonar para o(a) ex; dar uma chance a um(a) desconhecido(a) de perfil pouco promissor de alguma rede social na internet (Orkut, Facebook ou pior, ParPerfeito); cair em ciladas como encontros às escuras (seu amigo jura que você vai gostar da amiga super divertida da namorada dele, e ao chegar ao encontro você percebe que ele esqueceu de mencionar o bigode da moça); dentre outras.

Eu conheço várias pessoas maravilhosas que estão solteiras. Evidentemente, como todas as pessoas maravilhosas, essas também são bem humoradas, inteligentes, divertidas, lindas e super bem resolvidas. Mas eu sei bem como é chato estar só quando todo mundo parece ter achado a metade da laranja ou seja lá qual for a fruta do momento. Especialmente nessa época do ano, em que não há um único outdoor, comercial de TV ou estreia no cinema que poupe os solteiros da imagem de casais felizes e lindos (calma, gente, são só modelos, provavelmente eles nem se conheciam antes da sessão de fotos).

Se você, como meus maravilhosos amigos e amigas solteiros, está avulso nesse dia dos namorados, eu suplico: não se deixe levar pela amargura. Em primeiro lugar, repito o que você já está cansado de saber, mas eu sei que às vezes você ignora (been there, done that): estar acompanhado não é garantia de felicidade. Incontáveis casais continuam juntos após anos de agressões mútuas, sem proporcionar nada de bom um ao outro. Acredito mesmo que muitas pessoas sentem um prazer secreto em tornar miserável a vida de seu parceiro. O sentimento de posse torna inconcebível a ideia de deixar a pessoa ir embora e ser feliz. Pior ainda: ser feliz com outra pessoa.

Além disso, confie em mim quando eu digo que a facilidade para encontrar o par ideal é inversamente proporcional a quanto especial você é. Não, não estou falando isso pra encher sua bola. É sério! Pessoas superficiais, ordinárias, sem graça, simplórias encontram semelhantes com uma facilidade enorme. Óbvio, esse é o tipo mais abundante de ser humano.

Se você é uma pessoa decente, fiel a seus princípios, inteligente, bem educada, gentil, divertida, batalhadora e dona de mais uma série de predicados, já faz parte de um grupo bem mais seleto. Num mundão desse tamanho, nem sempre é fácil encontrar essa turma, toda espalhada.

Nem por isso você deve ceder à pressão das campanhas publicitárias, das suas tias e do universo todo que parece às vezes esfregar na sua cara que você é a única pessoa incapaz de arranjar alguém que preste. Não caia na tentação de afrouxar seus critérios pra encontrar alguém que se encaixe neles. Não vale a pena. Você merece mais.

Como eu disse aqui, depois de sofrer muito por ter deixado entrar na minha vida pessoas que nem de longe me mereciam, que não tinham sequer a capacidade de perceber o meu valor, decidi não mais  elastecer meus critérios ao ponto de deformar meus próprios sonhos. Algo me dizia que ainda encontraria alguém que não iria me desapontar. E eu estava quase completamente certa. Quase, porque encontrei alguém que não apenas se encaixa nos meus critérios, mas supera todas as minhas expectativas.

É essa sensação que eu desejo para todos os meus amigos e amigas maravilhosos e, ainda, solteiros.

Beijos!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

I'm alive!

Sim, queridos leitores, estou viva. Peço perdão pela ausência temporária, e juro que tenho muitas e muitas desculpas esfarrapadas justificativas plausíveis para o sumiço. A primeira delas é o trabalho, essa atividade inconveniente que deixa a gente sem tempo para nada. Caso você seja do setor de RH de uma grande empresa, vasculhando minha vida cibernética para saber se eu sirvo para ocupar essa vaga com salário magnífico plus benefícios, por gentileza verifique outros textos para perceber que isso é só sarcasmo. Eu AMO trabalhar. Ok, isso também é sarcasmo.

A segunda razão é a faculdade, e especialmente uma coisinha que eu já havia esquecido que existia: trabalhos acadêmicos EM EQUIPE. Juro que não me incomodaria de ser testada à exaustão pelos professores, podiam me aplicar provas toda semana, tudo bem! Ainda mais agora, que estou nessa vibe nerd (chocada com uma horrorosa nota 8,0, a única abaixo de 9,0 até agora)! Mas os trabalhinhos em equipe são uma verdadeira tortura, puro cortisol na veia! Cortisol, para quem não sabe, é o hormônio do estresse (aprendi - dãh - num trabalho de equipe). E quando escrevo "veia" estou me referindo ao vaso condutor de sangue, não é "véia" conforme as novas regras ortográficas. Sempre bom deixar as coisas claras.

O terceiro motivo é que continuo sendo dona de casa. Nas horas vagas, as tarefas domésticas (delícia) estão lá, acumuladas, esperando por um sopro de vontade minha. Por sorte, conto com o auxílio intenso do namorido, caso contrário, certamente já teria abandonado as noções de higiene e me conformado com a desordem eterna.

Além disso, invento de fazer cursos de culinária, tento me manter em dia com os dois únicos seriados que ainda acompanho, procuro ter algum lazer e curtir meu amor. Já faz meses que não consigo ler um livro que eu esteja realmente a fim, porque sempre tem algum da faculdade pra ser lido. Leituras obrigatórias nunca são gostosas, né? 

Acima de tudo, estava postergando o momento de falar de novo do assunto do derradeiro post. Mas acho que ele precisa de uma conclusão.

Coisas tristes acontecem para todo mundo, e não quero tornar o drama maior do que é. A vida segue seu curso. Continuo acreditando que tudo tem sua razão de ser. Por que isso aconteceu comigo e, mais ainda, por que aconteceu com aquele homem? Tenho cá meus palpites, mas prefiro guardá-los só pra mim.

Como várias pessoas me disseram, é realmente assustador pensar que coisas terríveis não acontecem só com gente distante, nas notícias ou nos filmes. A gente sabe que pode acontecer com qualquer um, mas a verdade é que nunca nos consideramos "qualquer um", certo? Eventualmente a realidade vem, com seu jeitinho sutil,  mostrar que, de certa forma, somos todos iguais: nascemos e morremos do mesmo jeito. A única diferença é o que fazemos entre uma coisa e outra. Por isso é melhor não perder tempo amargando sofrimento, porque ainda há muita felicidade a ser vivida, muitas ações a serem inspiradas.

Agradeço de todo coração às pessoas que prestaram seu apoio, que me disseram palavras de carinho, que me ofereceram colo. Não dá pra reclamar da vida quando ela me presenteia com tanta gentileza, tanta solidariedade e, acima de tudo, tantos amigos. 

Beijos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Descanse em paz

Jamais me esquecerei do fatídico 15 de abril de 2010, dia em que atropelei um homem e o vi morrer diante de meus olhos.

A quinta-feira começou como qualquer outra. Saí de casa um pouco atrasada. O Dé me deixou no escritório e ficou com o carro. Mais tarde, deixou-o no estacionamento próximo ao meu trabalho, para que eu pudesse ir à faculdade.

A aula de Comunicação Empresarial terminou cedo, por volta das 22h20. Saí da faculdade com meu colega de turma, Samuel, para quem dou carona todas as noites, já que ele mora perto da minha casa. 

Seguia pela BR-116, sentido PR-SP. Pelo retrovisor, percebi um veículo se aproximando rapidamente, então fui para a pista da direita e ali permaneci, reduzindo a velocidade, uma vez que a saída para o meu bairro já estava próxima.

Num trecho muito escuro, sem nenhum poste de iluminação, visualizei já bem perto um vulto cruzando a estrada, da esquerda para a direita, muito lentamente. Para ser mais exata, ele estava praticamente parado. Não dava pra saber se ele seguiria adiante, em direção à faixa pela qual eu passaria em instantes, ou se permaneceria onde estava, esperando que meu veículo passasse.

Tudo aconteceu em questão de segundos. Embora eu já estivesse diminuindo a velocidade, era impossível parar totalmente o carro numa distância tão curta. Conforme me aproximava, vi que a pessoa continuava avançando lentamente. Afundei o pé no freio o máximo que pude, joguei o carro para a direita, para fora da pista, e buzinei, na esperança de que o homem saísse do transe em que parecia se encontrar.

Infelizmente, a única coisa que eu não podia prever foi o que aconteceu: no exato momento em que eu passaria ao lado do homem, sem causar-lhe qualquer dano, ele correu em direção ao carro, atingindo a lateral do veículo, no meu espelho retrovisor. Com o impacto, foi lançado ao centro da faixa da direita.

Daquele momento em diante, minhas lembranças são turvas. Impossível descrever o desespero que senti. Parei o carro e desci o mais rápido que pude. Telefonei para o SIATE e abri o porta-malas para pegar o triângulo. 

Enquanto isso, surgiram pessoas não sei de onde. Junto com elas, eu tentava sinalizar para que os carros que vinham pela BR fossem para a pista da esquerda. Não sei dizer quanto tempo passou, até que um veículo quase me atropelou e passou por cima do homem estendido na pista. 

Interessante pensar nos insondáveis mistérios da mente humana. A cena do carro passando por cima daquele pobre homem, destruindo seu corpo e seguindo, como se nada tivesse acontecido, é uma imagem que constantemente assombra minha memória e a de meu colega Samuel. Mesmo assim, nenhum de nós soube descrever o veículo quando o primeiro policial chegou ao local, 20 minutos depois. Em minha lembrança, vejo um carro branco. O Samuel acredita que era um Astra preto. Na verdade, nenhum de nós sequer tem certeza de que foi um único veículo que passou por cima do homem.

Na hora eu estava tão assustada com a situação que nem parei pra pensar que, ao atropelar uma pessoa, o motorista daquele carro somente se envolveu num acidente. Mas, ao ir embora do local, cometeu crime de omissão de socorro. Mesmo com minha formação em Direito, eu não estava em condições de pensar em implicações legais. Meu desespero foi perceber que não havia mais nada a fazer pela vítima.

Um senhor colocou o triângulo no meio da pista da direita, cerca de cem metros antes do local do acidente. Um caminhão passou por cima do triângulo e, por pouco, não passa por cima da vítima e de mim,  que berrava e acenava na beira da estrada. Naquele momento não atentei para os riscos que eu corria, de roupa preta, num ponto totalmente escuro da estrada. Uma senhora parou o carro perto do lugar e me tirou da pista, ofereceu auxílio e ficou ali comigo até o Dé chegar, de bicicleta.

Antes de a polícia aparecer, curiosos se aproximaram e vários reconheceram o indivíduo. Alguns disseram que estavam num bar com ele até poucos minutos. Contaram que ele estava lá fazia horas e queria continuar bebendo, mas os companheiros mandaram que ele fosse para casa, pois estava muito embriagado. Vários relataram que a namorada dele havia morrido atropelada no mesmo local, cerca de 20 dias antes, e que, desde a morte dela, ele dizia que queria morrer. Chegaram a sugerir que ele talvez tenha se atirado em direção ao meu carro de  forma proposital.

Num dado momento, eu disse, aos prantos: "Samuel, você viu, né?" e ele me respondeu: "eu vi tudo, você não teve culpa nenhuma. Não tinha nada que você pudesse fazer, o homem se atirou no carro!". O policial, ao examinar a cena, disse que o pequeno estrago feito no meu carro não condizia com as lesões da vítima. Talvez ele estivesse vivo quando o segundo carro o atropelou. Diversas pessoas, ao verem o quanto eu estava abalada, aproximaram-se dizendo que eu não precisava me preocupar. "Todo mundo aqui sabe que ele era um bêbado, não foi sua culpa".

E por acaso me importa se ele era ou estava bêbado? Se a culpa foi dele, ou do outro motorista, ou do destino? O que se perdeu foi uma vida humana, tão volátil como qualquer outra que se esvai em instantes. O que me aflige é a constatação dramática de nossa fragilidade e impotência.

Racionalizando ao longo dos últimos dias, consegui afastar da minha memória a sentença "eu matei um homem". Analisando por todos os pontos de vista possíveis, concluí que, de fato, não havia nada que eu pudesse ter feito para evitar a tragédia. Se ele se atirou sobre meu carro intencionalmente, foi suicídio. Se correu na direção do veículo sem ter noção do que estava fazendo, atordoado pela embriaguez, foi um acidente fatal, provocado por culpa exclusiva da vítima. Se ele ainda estava vivo ao cair no asfalto e morreu ao ser atropelado pelo segundo veículo, eu fiz tudo que pude para evitar que isso acontecesse. Parei o carro, chamei socorro, sinalizei o local. Não havia mais o que fazer sem colocar em risco a minha própria vida.

Restam somente suposições. Se eu não tivesse ido para a aula, se não tivesse saído mais cedo, se tivesse parado num posto para abastecer, se o semáforo que peguei fechado estivesse aberto, se ele não tivesse bebido, se sua mulher não tivesse morrido, se seus colegas de copo e de cruz o tivessem acompanhado até sua casa... "SE" é um universo infinito de possibilidades que não podemos controlar, somente aceitar aquela que, dentre todas as demais, foi justamente a que aconteceu.

Se eu fosse só razão, é possível que estivesse mais tranquila. É o coração, no entanto, que ainda me faz chorar.

Não me resta alternativa, senão confiar nos desígnios divinos e rezar. Por aquele homem, vítima de um destino infeliz, e por seus entes queridos, para quem a dor da perda é infinitamente maior que o trauma que eu sofri. É por isso que peço, todos os dias, que encontrem paz, conforto e amparo.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O fantástico mundo da faculdade

Dia desses dei-me conta de que meu pequeno irmão (hoje maior que eu), no fim desse ano, prestará o vestibular. Não sei ainda se ele se decidirá pelo curso de tecnologia em jogos digitais, nem tenho ideia se ele será tão bom desenvolvendo jogos quanto é jogando. Não sei se resolverá seguir os passos de seu pai na medicina. Se o fizer, aposto que sua compaixão pelo ser humano fará dele um médico muito melhor que o precursor.

O menino tem 16 anos, de modo que não me surpreenderei se, até a data de inscrição no vestibular, ele mudar de ideia mais 35 vezes. Também não sei se ele será aprovado na primeira tentativa, questão que nunca foi grande drama na minha família. Minha mãe, ao contrário de muitas outras (talvez a maioria), realmente não acredita que temos o dever de saber o que fazer da vida em plena adolescência. Não é verdade que muita gente passa toda uma existência sem saber?

Eu, por exemplo, ainda passeio pela vida tentando descobrir o melhor a fazer dela. Não sou dessas criaturas afortunadas que nascem com um talento extraordinário e sabem, desde sempre, para o que foram destinadas. Também não tenho a sorte de ser desprovida de qualquer talento, de modo que qualquer atividade à qual me adequasse razoavelmente seria suficiente para me satisfazer profissionalmente.

A questão é que eu sirvo para tantas coisas diferentes! Tenho uma facilidade enorme para lidar com novas tecnologias, descubro coisas sem que alguém precise ensinar, adoro (e sei) escrever, gosto de trabalhar com pessoas, mas também me dou bem com documentos e aprecio ficar sozinha, ouvindo nada mais que o som dos meus dedos sobre o teclado e a música suave nos meus fones de ouvido. Amo cozinhar e poucas coisas me dão mais satisfação do que o resultado positivo de uma nova experiência culinária (quando o público não resiste a um segundo prato). Sou apaixonada por investigações, decifrar enigmas, resolver problemas. Também sou boa ouvinte e conselheira. Não suporto rotina. Sou maluca por crianças. Aprendo tudo muito rápido e, se não tiver novos desafios, acho minhas atividades enfadonhas e logo me distraio. E mesmo assim faço meu trabalho melhor do que a maior parte das pessoas.


Ainda acredito que vou encontrar a atividade perfeita, em que eu possa exercer todas as minhas habilidades com processos, pessoas, palavras, ações, desafios, tecnologia, tudo-ao-mesmo-tempo-agora (ainda que eu tenha que deixar a culinária para os fins de semana e as crianças para o futuro). Para garantir meu sucesso ao encontrar esse trabalho fantástico, continuo me preparando. Estou fazendo uma especialização (para aprender um tanto mais do mesmo) e uma segunda graduação (para ampliar conhecimentos e possibilidades).

E esse é justamente o ponto em que eu queria chegar (no texto, não na vida profissional): como caloura pela segunda vez, sinto que é meu dever de irmã mais velha compartilhar meu vasto conhecimento com o jovem pupilo. Afinal de contas, há muito mais que se aprender na faculdade do que as simples matérias de um curso de graduação, certo?

Logo mais eu conto.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Você já se apaixonou por alguém?

Talvez a pergunta pareça estúpida, mas minha curiosidade provém do fato de que eu, em 28 anos e 7 dias de vida, só me apaixonei por uma única pessoa. Se alguma das minhas amigas estiver lendo esse texto, certamente está achando que eu sofri uma grave amnésia ou que depois de tanto tempo sendo sincera, resolvi inovar virando uma mentirosa. Nenhuma coisa nem outra.

No passado, todas as vezes em que sorri ou chorei envolta em uma nova paixão, não era por uma pessoa real que eu suspirava, mas sim por uma pessoa ideal. Um ser idealizado não ultrapassa os limites de sua própria definição: uma ideia.

Construir a pessoa ideal não é difícil. Fiz isso tantas vezes que poderia até redigir a receita. 

Pessoa ideal
 
Você vai precisar: a) da soma das suas aspirações românticas; b) de imaginação; c) de carência a gosto.

Misture os ingredientes e derrame na forma de sua preferência. Pode ser aquele cara gato da academia que você nunca ouviu falar uma palavra além de bom dia, mas uma vez preenchido com o conteúdo ideal, vai se transformar imediatamente em alguém que você apresentaria com a mesma satisfação aos seus amigos, à sua família e aos seus colegas de trabalho. Culto, divertido, carinhoso, educado e bom de cama. Perfeito.

Pode ser também o vizinho novo, que você viu uma vez na garagem e outra no elevador. Você ouviu o porteiro chamá-lo de Doutor, então já passou a fantasiar com o dia em que ele a chamará para jantar, fascinado pelo seu sorriso encantador e ar de mistério. Obviamente, ele mesmo vai cozinhar, num dia em que não estiver de plantão - um oftalmologista, talvez? - e puder recebê-la em seu apartamento muito bem decorado. Apertará o play e a trilha sonora conterá todas as suas canções preferidas.

Mas pode ser alguém mais próximo. Talvez o cara com quem você está saindo. Ele faz questão de rachar a conta desde a primeira vez em que a convidou para jantar, mesmo tendo sido ele quem escolheu o local e até mesmo o vinho. Mas você nem pensa que ele talvez seja pão-duro. Com certeza ele valoriza a sua independência profissional e financeira. Um homem moderno. Você já descobriu duas ou três coisinhas que não condizem com informações que ele mesmo forneceu a respeito dele. Mas você deve ter se confundido, não é que ele tenha mentido. Ou talvez ele tenha aumentado um pouco as coisas só para impressioná-la, o que deve ser um bom sinal. Não?

É possível passar meses e mesmo anos amando uma pessoa ideal, sem perceber - ou evitando enxergar - que a pessoa real que dá vida aos movimentos de nosso personagem perfeito é absolutamente diferente do que gostaríamos. Eu já passei pela sensação numa relação de que quando é bom, é ótimo, mas quando é ruim, é a pior coisa do mundo. E depois de um tempo comecei a notar que havia muito mais momentos ruins do que os bons.

Analisando com mais cuidado, percebi que os numerosos momentos de infelicidade eram justamente aqueles em que eu entrava em contato com a pessoa real. Seus insuportáveis defeitos, suas faltas intoleráveis. Quem é essa pessoa?, eu pensava. Alguém capaz de me magoar, de não entender minhas melhores piadas, não segurar minha mão na rua? Alguém que tem ataques de ciúme, que troca minha companhia por outros programas, que não tem um abraço infinito? Quem é esse cara que inventou bobagens para me conquistar, que mentiu descaradamente, que subestimou minha inteligência? Quem é esse desconhecido que não apoia meus sonhos, que duvida da minha capacidade, que não sabe ser generoso?

Muitas vezes fechei meus olhos porque não queria ver. É triste admitir a derrota. É difícil reconhecer que investimos tanto numa ilusão. Mas nada mais infeliz e patético do que insistir no engano, enquanto a realidade grita desesperadamente para sair de dentro do pequeno baú em que se encontra acorrentada.

Um dia conheci um homem de verdade. Não havia nada além de verdade no modo como ele me olhava, nos sorrisos que me dedicava, mesmo antes que qualquer um de nós soubesse que o interesse era recíproco. Era tudo verdade no seu passado, na sua família, na sua vida. Só verdade preenchia nossos encontros, nossas conversas, nossa saudade, nossos desejos, nossos planos para o futuro. 

Eu logo me apaixonei. Não queria saber de mais ninguém, os casos pretéritos pareciam tão distantes que mal me lembrava de seus nomes, mesmo daqueles que ainda telefonavam e não eram atendidos. No dia em que nos beijamos pela primeira vez, senti que o tempo podia parar ali mesmo. O coração se dividia entre a ansiedade pelas delícias do porvir e o medo de que elas não viessem. Ele era tudo que eu queria.

Ele me atraía sob todos os aspectos: física, intelectual e afetivamente. Tratava-me com respeito e admiração, demonstrava o desejo mais intenso que já conheci, olhava para mim como se eu fosse a mulher mais linda do mundo. Tinha o maior interesse em desvendar cada característica minha e me fazia rir. Devo confessar que senti medo de estar, mais uma vez, amando uma criação da minha mente fértil.

A certeza de estar apaixonada por uma pessoa real só veio quando descobri, satisfeita, que ele não é perfeito. Ele tem seus defeitos e às vezes erra. Jamais seria irresponsável comigo e com meus sentimentos, mas nem sempre sabe a forma certa de agir. E nada disso o torna menos apaixonante, menos amável. 

Reconhecer nele um ser humano e, portanto, sujeito a falhas, foi reconfortante. Felizmente ele não é perfeito, caso contrário, não existiria. E, se existisse, eu não o mereceria. Ele é apenas uma pessoa real, característica que, somada a todas as demais, torna-o apto a ocupar de modo vitalício o lugar de amor da minha vida.

Não preciso me refugiar num mar de fantasias, nem esperar eternamente por impossíveis mudanças de comportamento ou de caráter. A realidade é uma delícia! Momentos ruins são tão raros, tão pequenos, tão facilmente superáveis, que se perdem no tempo, no esquecimento. Os momentos de felicidade se sucedem com tanta naturalidade que não precisamos nos agarrar à lembrança de um deles com a esperança de que um dia retorne. 

Agora, pense de novo e me responda: quantas vezes você se apaixonou por uma pessoa real? Esse alguém que ocupa seu coração e seu pensamento hoje é de verdade ou pura imaginação? Se após um exame acurado o diagnóstico for ilusionite aguda, não se desespere, isso tem cura.

Talvez o tratamento exija apenas a aceitação das pessoas como são. Defeitos muitas vezes são o que fazem o charme de alguém. Além disso, todos passamos por algumas penas na vida que desenvolveram nossos calos. Ninguém está livre disso. Acrescentar uma dose de compaixão ao olhar e enxergar a situação como um todo pode nos fazer menos críticos e mais tolerantes.

Existem defeitos, porém, que não merecem ser suportados. Um cara que não a respeita, que não a trata como prioridade, que não se comove com seu sofrimento e não faz planos com você não merece esforço. Um homem que trai, que não é seu melhor amigo, que não deseja ardentemente fazê-la feliz é um desperdício de tempo. Se os defeitos dele constam numa lista de coisas abomináveis para você - não para mim, para suas amigas ou para sua mãe, mas para você -, não perca seu tempo tentando transformá-lo. Parta hoje mesmo em busca da realidade.

Ela pode parecer assustadora no começo, mas eu garanto que, enquanto o seu coração bater, você terá forças para enfrentá-la. Confie em mim. Não é que um dia você acorda e percebe que está vivendo seu sonho. A grande sacada é que, quando você aprende a amar alguém de verdade (começando por você mesma), com todas as dificuldades que isso implica, qualquer dia da realidade é mais gostoso que a mais bem elaborada de suas fantasias. Sonhar é bom, mas delícia mesmo é acordar.

Beijos!