"A expressão "viu passarinho verde" é empregada para aqueles que, sem motivo aparente, demonstram muita alegria. O verde é a cor da esperança e da paz. Mas o que o passarinho tem a ver com isso? De acordo com o folclorista Luís da Câmara Cascudo, no livro Locuções Tradicionais no Brasil, a tal ave era o periquito, muito usado para levar no bico mensagens trocadas por casais. Assim, avistar esse animal seria "identificar o alado pajem confidencial dos segredos". Há ainda uma lenda do século 19, segundo a qual as moças avisavam seus namorados do envio de cartas de amor colocando um periquito perto da grade da janela." (Fonte: Guia do Estudante)
Eu e o Dé não precisamos usar animais para trocar mensagens de amor. As declarações são feitas ao vivo, pelo menos três vezes ao dia (ao acordar, as se despedir para ir ao trabalho, antes de dormir). Eventualmente, utilizamos um e-mail, um SMS. Cartões nas datas especiais.
Nesse sentido, então, vivo "vendo passarinho verde". Nunca faltam motivos para sorrir.
Hoje pela manhã tive uma consulta médica com uma gastro. O Dé me deixou lá e foi de carro até nosso estacionamento. Como o consultório é pertinho do escritório (umas 5 ou 6 quadras), fui caminhando até lá. Escolhi um caminho passando por ruas em que não costumo andar com frequência. Ao dobrar uma esquina, vi algumas cerejeiras carregadas de flores cor-de-rosa e - ai, que romântica - suspirei.
Ouvi já de longe uma algazarra de passarinhos e, ao me aproximar, vi que a cerejeira maior não estava carregada somente de flores, mas também de periquitos bem verdinhos! Nunca vi tantos reunidos! Nem em vitrine de aviário, onde se vê um montão de passarinhos apinhados em gaiolas tristes. Coisa que me causa a maior depressão e sempre me faz cantar mentalmente a música do Wando: "Choooora coração... Passarinho na gaiola, feito gente na prisão"...
A visão que tive nessa manhã não teve nada de melancólica, era só alegria. Não tinha um galho da árvore sem um passarinho gritando faceiro. Pense numa pessoa que lamentou estar sem a máquina fotográfica. Tudo que pude fazer foi ficar ali parada por uns minutinhos admirando aquela cena. E não fui a única! Mais dois transeuntes pararam para ver os bichinhos na árvore.
Não sei se aquelas pessoas estavam apaixonadas, se elas também recebem declarações de amor diárias. Mas desconfio de que ver uma cerejeira florida lotada de periquitos verdes, bem no centro da cidade, notar a cantoria de pássaros em meio ao barulho de carros, buzinas, gentes apressadas, tenha sido motivo suficiente pra deixar aquelas pessoas com um sorriso bobo alegre, igualzinho ao meu.
Já faz uns dias que li uma notícia que quero comentar aqui. Se você viu ou leu no jornal, é bem provável que tenha sentido o mesmo que eu: admiração por um gesto e indignação por outro. O caso é o seguinte: um motorista de ônibus, morador de Friburgo-RJ, que perdeu a casa na enxurrada de janeiro, pai de um menino de 14 anos e com mais um herdeiro para chegar, encontrou no ônibus que dirigia um pacote com quase 75 mil reais.
O motorista, Joilson Chagas, devolveu o dinheiro ao dono, um agricultor de aproximadamente 80 anos de idade, que vendeu um veículo para pagar o tratamento de saúde de uma filha. O senhor, emocionado, ofereceu a Joilson uma recompensa de R$ 2.000,00, mas ele não aceitou. Sua atitude ganhou a aprovação da esposa grávida, do filho adolescente e de muitas outras pessoas, como eu e - assim espero - você.
Alguns de seus colegas, no entanto, não consideraram louvável a atitude de Joilson. Enquanto ele descansava na sede da empresa, seu crachá foi jogado na privada, e a parede do banheiro recebeu as palavras "Chagas otário".
A opinião de Chagas não se abalou. Sem demonstrar revolta, ele disse que alguns colegas entendem que ele devia ter usado aquele dinheiro na construção de sua casa, já que perdeu a antiga. Mas o dinheiro não era dele, e Chagas acha que é bom a gente ficar com o que é nosso. A enxurrada pode ter levado a casa e bens materiais do Chagas, mas uma coisa ele não perdeu: a dignidade.
É cedo que a gente aprende a respeitar a propriedade alheia. É quando você chega em casa com um brinquedo estranho, e sua mãe faz você devolver ao coleguinha, pedir desculpa e prometer que nunca mais vai fazer isso. Aí você associa o ato àquela vergonha que sentiu e entende que pegar o que é dos outros é feio. Acho que alguns pais esquecem de ensinar essa liçãozinha básica, e alguns filhos entendem errado a mensagem: feio é ser descoberto, na próxima vez eu escondo o brinquedo da minha mãe.
Sim, eu também gosto de dinheiro, mas só para as coisas que têm uma etiqueta de preço. Quanto vale a sensação de ensinar a coisa certa ao seu filho? Quanto vale deitar a cabeça no travesseiro com a consciência tranquila? Quanto vale o caráter, a decência, a honestidade? Quantos malandros não valem um único Chagas?
Por essas e outras, estou com você, Chagas, prefiro ser otária!
Houve um tempo (longínquo) em que eu tinha dois grandes vícios: o seriado The O.C. e baixar músicas na internet. Acredito que tenha sido em The O.C. que ouvi pela primeira vez a música Just a Ride, da cantora Jem. A voz e os arranjos são bonitinhos, mas o que me pegou mesmo foi a letra (clique aqui para ver a tradução), de uma simplicidade evidente e, ao mesmo tempo, de uma sabedoria enorme. Naturalmente baixei a música e faço questão de ouvi-la de vez em quando, para lembrar da mensagem que, se você não conhece, já vai conhecer.
Passaram-se anos até que um dia um professor não me lembro de que disciplina, nem de que curso, recomendou uma série de documentários no estilo "teoria da conspiração". De todos que eu cheguei a ver, o mais marcante certamente foi o Zeitgeist(aqui legendado em português). Esse filme me despertou uma série de questões. Para algumas delas, encontrei respostas, posteriormente, quando nem estava procurando. Mas isso já é outra história.
A questão é que, no final do primeiro filme do movimento Zeitgeist (depois foram lançados mais dois) há uma fala de Bill Hicks, considerado por muitos um gênio do stand-up da década de oitenta e do início dos anos 90. Até então eu nunca tinha ouvido falar nesse cara, que morreu aos 33 anos, após uma curta vida de excessos.
Ouvi fascinada as palavras desse cara, dizendo, ao final de uma de suas apresentações, que o público havia sido fantástico e perguntando a seguir: "existe um sentido nisso tudo? Vamos encontrar um sentido". Explica a seguir a sua teoria de que a vida é como um passeio em um parque de diversões. Quando entramos, acreditamos que aquilo é real, porque nossa mente é poderosa. Vamos para cima e para baixo, damos várias voltas, sentimos diversas emoções.
É tudo colorido, brilhante, barulhento e divertido por um tempo. Alguns já estão no passeio há algum tempo e começam a se perguntar: "isso é real? Ou é só um passeio?" Algumas pessoas se dão conta e nos dizem: "ei, não se preocupe, não tenha medo nunca, porque isso aqui é só um passeio!". E nós... Nós matamos essas pessoas. Não vou contar o resto, você precisa assistir ao vídeo.
O fato é que, no momento em que tive contato pela primeira vez com o já falecido Bill Hicks, descobri que aquela musiquinha singela da Jem tinha sido inspirada nas palavras dele, que me lembram uma releitura do mito da caverna, de Platão.
A vida deve ser mais sem graça para quem acredita que as pequenas coisas que nos levam a outras maiores que por sua vez nos levam a entender um pouco mais da vida sejam nada mais que coincidências.
Meu recado é: não me importa no que você acredita, desde que você acredite em alguma coisa. Se você crê em reencarnação ou em céu e inferno, se você acha que somos apenas matéria e podemos simplesmente deixar de existir a qualquer momento. Tanto faz. A questão é que em algum momento você tem que se dar conta do que é, de fato, a realidade.
Todas as necessidades e urgências criadas para atender a interesses que a gente nem sabe de quem são? Sua conta bancária, o trânsito, as demandas judiciais, a telefonia celular, as vendas, os clientes, as ações na bolsa? O carnaval, a copa das confederações, o campeonato brasileiro? A novela das 8, o Oscar, prêmio Nobel, sua festa de casamento, a moda, a indústria de cosméticos?
Façamos rapidamente um exercício de imaginação. Já que a crise do momento (a mais falada, entre a crise do Egito, a crise da Líbia, a crise econômica, a política, a energética e a de meia-idade) é a de Fukushima, imagine que sejamos atingidos por um desastre nuclear, ou um tsunami, ou um terremoto, ou tudo isso ao mesmo tempo. No dia seguinte, os sobreviventes terão diversas preocupações. Curar seus ferimentos, alimentar-se, encontrar água potável, proteger-se do frio. Quem no mundo vai lembrar qual era a cotação de suas ações na bolsa antes da tragédia? Quem vai se importar se tinha um recurso parado há muito tempo no Superior Tribunal de Justiça? Quem vai lembrar de zoar com a cara do amigo porque o time dele perdeu um campeonato? Quem vai ligar se choveu no dia do casamento? Ou se a paleta de sombras importada foi extraviada pelo correio?
Pensando assim, essas coisas todas parecem tão pequenas, tão banais, tão estúpidas, inclusive o trabalho que tenho para terminar na segunda-feira (impugnar uma contestação numa ação de cobrança de juros de poupança). O mais estúpido, no entanto, é que diariamente tem gente morrendo e matando por causa dessas coisas. O cara investe todo o dinheiro num negócio que acaba fracassando e dá um tiro na boca. Ou morre enfartado. A moça quer liberdade para administrar os bens materiais conquistados por seus pais e encomenda a morte dos dois. Um idiota não se conforma porque o time adversário fez mais gols que o seu e joga uma bomba num ônibus. Sinceramente, quão estúpidos os seres humanos podem ser?
Mas vamos trazer os exemplos para níveis menos extremos, sob pena de acreditar que estúpidos são eles, os suicidas, homicidas e agressores, e não nós, pessoas de bem. Então vá lá: quantas vezes nós, pessoas de bem, perdemos a paciência com um imbecil dirigindo lentamente na pista da esquerda? Quantas vezes perdemos o bom humor porque algo não saiu exatamente do jeito que planejamos? Quantas vezes nos deixamos dominar pela frustração porque não conseguimos tirar nossas férias na data planejada? Quantas vezes permitimos que a insatisfação profissional nos torne pessoas amargas?
Em momentos assim, não paramos para pensar que os segundos perdidos no trânsito porque aquele jacu anda muito devagar não iriam de fato mudar a nossa existência. Raramente nos damos conta de que os planos frustrados podem ser modificados, muitas vezes até para melhor. Dificilmente pensamos: "que se foda, é só um emprego, não é a minha vida!"
E o que é mesmo a vida? Só um passeio! Não importa se o seu objetivo seja aprender alguma coisa, tornar-se um ser humano melhor, espalhar o amor na Terra, evoluir espiritualmente ou apenas apreciar a paisagem: aproveite o passeio!
Felizmente, a minha noção de aproveitar o passeio é diferente da que tinha o brilhante autor dessa mensagem. Mas isso não importa: se Bill Hicks, mesmo abusando do álcool e das drogas, em apenas 33 anos de vida, conseguiu abrir os olhos de alguém para a realidade, o passeio dele já valeu para alguma coisa.
Não estou dizendo para virarmos todos hippies e irmos morar numa eco-aldeia, longe de celulares, sem energia elétrica, alheios ao restante do mundo. Mas creio que seja importante valorar corretamente as coisas. Esse problema que está roubando o seu sono é mesmo tão importante ou pode ser deixado para amanhã? A ambição do seu chefe vale mesmo o seu bom-humor e a sua alegria? O seu grande plano do momento assumiu o lugar de centro do universo? Vale a pena manter-se num relacionamento que não faz você feliz só por medo de ficar só? Ficar só é realmente o fim do mundo?
A virtude humana é fraca, por isso o preço de resistir a tentações é a vigília constante. A vontade humana é igualmente débil - vide resoluções de ano novo abandonadas antes do carnaval. A constituição física do ser humano também é frágil: mesmo o corpo do mais rijo dos atletas perece em algumas décadas. Entretanto, uma força extraordinária reside em algo tipicamente humano: o hábito.
Muitos hábitos nos acompanham desde a infância. Aprendemos logo cedo a erguer a voz quando queremos impor nossa vontade, quando disputamos pela primeira vez o balde de areia com um amiguinho no parque. Aprendemos a colocar a culpa no outro, quando perguntaram quem quebrou o vaso e dissemos que foi o gato. Por outro lado, se tomamos banho diariamente, escovamos os dentes após as refeições, dizemos "por favor", "obrigado" e "com licença", respeitamos os mais velhos, é porque nossos pais, avós e professores se dedicaram à árdua missão de nos ensinar boas maneiras, incutir-nos noções de higiene e educação.
Daí já se nota que a principal diferença entre os bons e os maus hábitos não é a consequência deles, mas sim o modo como nascem. Os maus, por mero descuido e desatenção. Os bons, com muito empenho e constância.
Conforme amadurecemos, a rotina do trabalho, dos estudos, da casa e dos relacionamentos agrega uma série de hábitos à nossa personalidade. E com a prática, os hábitos adquirem uma força indiscutível. Por força do hábito, você acorda cedo sem despertador no domingo, mesmo que seja só para se virar e babar do outro lado do travesseiro. Por força do hábito, você disca o zero antes de fazer uma ligação - do telefone de casa.
Quanto mais o tempo passa, mais fortes os hábitos ficam. Ganham o status de manias. Os muito ruins, de vícios. E nós, seres humanos, com nossas fraquezas de corpo, virtude e vontade, temos cada vez menos condições de lutar contra eles. Corrigir um mau hábito na infância é fácil, mas tente convencer um idoso a fazer algo diferente da forma que tem feito há décadas (como minha ex-vizinha, D. Aurora, que todas as manhãs esvaziava seu velho penico nas plantas do jardim).
Diante disso, adiar transformações necessárias para um futuro de debilidade física e, quiçá, mental, é perder a batalha de antemão. Não adianta ficar esperando que sejamos um dia mais fortes do que somos hoje. Hábitos fortalecidos ao longo de uma vida inteira inevitavelmente se tornarão invencíveis. A solução ideal seria não criar o monstro. Mas ela esbarra, é claro, nas nossas fraquezas. E então surge uma ideia brilhante: se devo ceder à força de meus hábitos, o melhor a fazer é empenhar meus esforços na implementação de bons hábitos, para que sejam estes os incorrigíveis no futuro.
Quando se fala em bons hábitos, todo mundo pensa em exercícios físicos diários, alimentação saudável, dormir bem. Mas e se formos além? E se ousarmos pensar em hábitos que não fazem bem somente à saúde, mas nos fazem felizes?
Todas as manhãs, logo depois que levantamos, eu e meu marido nos abraçamos forte e desejamos bom dia um ao outro. Nosso abraço matinal é imprescindível para começar bem o dia. Talvez muito mais importante que um café da manhã bem servido.
Queixar-se do trabalho, reclamar do governo, encaminhar e-mails inúteis, fazer fofoca, criticar atitudes alheias, jogar tempo fora. Hábitos ruins que fazem parte da vida da maior parte dos seres humanos, e não foi preciso esforço algum para que eles se instalassem.
Por que então não se dedicar a implementar o hábito de ser feliz? Meditar de vez em quando; fazer uma oração antes de dormir, agradecendo por mais um dia de vida; dizer "eu te amo" com mais frequência; elogiar alguém; desejar bom dia de verdade, não por obrigação; prestar atenção à paisagem enquanto caminha, em vez de olhar para o chão e pensar na agenda lotada. Desligar a TV e ler um livro; preparar uma receita nova todo final de semana; visitar os amigos; preocupar-se menos e rir mais; separar o lixo para reciclar; experimentar uma coisa diferente toda semana ou, se possível, todo dia.
Sempre consideramos correto nos dedicar a tudo que possa nos proporcionar mais sucesso, estabilidade financeira, experiência profissional, tudo que nos dá aquela imagem de pessoas responsáveis, esforçadas, trabalhadoras e sérias. Empreender esforços na simples busca da felicidade, da alegria, do bem-estar parece tolice, coisa de quem está com a vida ganha ou tem tempo a perder.
Pois bem, ao invés de nutrir neuroses, úlceras e outros problemas de gente sérias, eu quero dar cada vez mais força a hábitos deliciosos como os abraços matinais do meu marido. E quando eu já for idosa, espero que digam de mim: "Aquela velha ali? Tem uma mania incorrigível de ser feliz."
Sim, queridos leitores, estou viva. Peço perdão pela ausência temporária, e juro que tenho muitas e muitas desculpas esfarrapadas justificativas plausíveis para o sumiço. A primeira delas é o trabalho, essa atividade inconveniente que deixa a gente sem tempo para nada. Caso você seja do setor de RH de uma grande empresa, vasculhando minha vida cibernética para saber se eu sirvo para ocupar essa vaga com salário magnífico plus benefícios, por gentileza verifique outros textos para perceber que isso é só sarcasmo. Eu AMO trabalhar. Ok, isso também é sarcasmo.
A segunda razão é a faculdade, e especialmente uma coisinha que eu já havia esquecido que existia: trabalhos acadêmicos EM EQUIPE. Juro que não me incomodaria de ser testada à exaustão pelos professores, podiam me aplicar provas toda semana, tudo bem! Ainda mais agora, que estou nessa vibe nerd (chocada com uma horrorosa nota 8,0, a única abaixo de 9,0 até agora)! Mas os trabalhinhos em equipe são uma verdadeira tortura, puro cortisol na veia! Cortisol, para quem não sabe, é o hormônio do estresse (aprendi - dãh - num trabalho de equipe). E quando escrevo "veia" estou me referindo ao vaso condutor de sangue, não é "véia" conforme as novas regras ortográficas. Sempre bom deixar as coisas claras.
O terceiro motivo é que continuo sendo dona de casa. Nas horas vagas, as tarefas domésticas (delícia) estão lá, acumuladas, esperando por um sopro de vontade minha. Por sorte, conto com o auxílio intenso do namorido, caso contrário, certamente já teria abandonado as noções de higiene e me conformado com a desordem eterna.
Além disso, invento de fazer cursos de culinária, tento me manter em dia com os dois únicos seriados que ainda acompanho, procuro ter algum lazer e curtir meu amor. Já faz meses que não consigo ler um livro que eu esteja realmente a fim, porque sempre tem algum da faculdade pra ser lido. Leituras obrigatórias nunca são gostosas, né?
Acima de tudo, estava postergando o momento de falar de novo do assunto do derradeiro post. Mas acho que ele precisa de uma conclusão.
Coisas tristes acontecem para todo mundo, e não quero tornar o drama maior do que é. A vida segue seu curso. Continuo acreditando que tudo tem sua razão de ser. Por que isso aconteceu comigo e, mais ainda, por que aconteceu com aquele homem? Tenho cá meus palpites, mas prefiro guardá-los só pra mim.
Como várias pessoas me disseram, é realmente assustador pensar que coisas terríveis não acontecem só com gente distante, nas notícias ou nos filmes. A gente sabe que pode acontecer com qualquer um, mas a verdade é que nunca nos consideramos "qualquer um", certo? Eventualmente a realidade vem, com seu jeitinho sutil, mostrar que, de certa forma, somos todos iguais: nascemos e morremos do mesmo jeito. A única diferença é o que fazemos entre uma coisa e outra. Por isso é melhor não perder tempo amargando sofrimento, porque ainda há muita felicidade a ser vivida, muitas ações a serem inspiradas.
Agradeço de todo coração às pessoas que prestaram seu apoio, que me disseram palavras de carinho, que me ofereceram colo. Não dá pra reclamar da vida quando ela me presenteia com tanta gentileza, tanta solidariedade e, acima de tudo, tantos amigos.
Quando criança você sonhava, lembra? Sonhava ser a princesa do castelo e casar com o mais lindo dos príncipes. Sonhava ser super herói, pilotar foguetes ou carros de fórmula 1. Sonhava ter uma fazenda só para cuidar dos animais. Sonhava ser presidente do país e dar um jeito de nunca mais uma criança dormir na rua. Sonhava aparecer na TV ou ser o maior jogador de futebol de todos os tempos. Sonhava conhecer todos os países do mundo, que você nem sabia quantos eram. De qualquer forma, você só sabia mesmo contar até 100. Uma conquista alardeada a todos os membros da família: “tia, sabia que eu sei contar até 100?”
Na adolescência você sonhava. Teria uma banda de rock, escreveria um livro, moraria numa república só com seus melhores amigos. Viajaria com a mochila nas costas pelos lugares mais exóticos do mundo. Provaria para seus pais que viver de arte não era impossível. Alguns sonhos de infância ainda não tinham morrido. Mas você às vezes tinha vergonha de dizê-los em voz alta.
Você seguiu o rumo que as pessoas esperavam. Conseguiu seu diploma, um emprego, uma família. De vez em quando (mas bem raramente), você lembra que os astros do rock, os jogadores de futebol, as atrizes de cinema, os grandes escritores e os pilotos de espaçonaves são gente como você. Animais bípedes da ordem dos primatas pertencentes à subespécie Homo sapiens sapiens, com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor.
Quando pensa nisso, você se frustra e se deprime. Ressente-se do fato de que, sempre se esforçando para atender às expectativas alheias, deixou na mão logo quem?
Você prefere não desabafar com sua esposa ou seu marido, com medo de que ela pense que finalmente a pressão do trabalho fez você surtar, ou de que ele acene com a cabeça e diga “uhum”, sem ter ouvido uma palavra do que você disse. Melhor também não comentar com os amigos, ocupados demais em galgar posições mais elevadas na escalada social.
Para não se sentir um extraterrestre entre eles, sempre que perguntam como vai a vida, você não erra a mão: “como sempre, na correria!”. Você sabe que eles não esperam nenhuma resposta além dessa. Ninguém quer saber se você tem um novo jeito de olhar a vida. Se fez amizade com um iraniano. Se está estudando grego em casa.
Sabendo disso, ao iniciar o assunto, você não perde a compostura: “e aí, como vai? Só na correria?”. Claro que são aceitas variantes na conversa: “não levanto da minha mesa nem para ir ao banheiro”, “há meses não sei o que é final de semana” e “estou simplesmente enlouquecendo” são boas opções.
“Como vão seus sonhos?”, “quando foi a última vez que você conversou com um desconhecido?” e “tem algo diferente que você tenha experimentado recentemente e que queira me recomendar?” são perguntas que não passam pela sua cabeça. Se passam, você as ignora, sob pena de parecer ridículo ou desajustado.
Se surgir a oportunidade de abandonar o seu emprego de merda e fazer algo que tenha algum significado para você, é bom pensar mil vezes antes de arriscar uma posição já consolidada em troca de uma coisa incerta. Se decidir encarar o desafio, melhor dizer que o motivo da mudança foi a vantagem financeira. Se você for ganhar menos, a solução é mentir. Ou habituar-se aos olhares apiedados. E aos rótulos. Lunático, hippie e irresponsável talvez sejam os menos ofensivos.
Ao viajar, é importante fazer uma programação precisa para garantir a produtividade dessas férias. Nenhum momento deve ser desperdiçado com tolices como a mera contemplação. Sempre que possível, você deve se conectar à internet e postar as fotografias nos álbuns das suas redes sociais, deliciando-se ao imaginar a cara de inveja dos seus colegas de trabalho.
Talvez você pudesse se deliciar com a simples oportunidade de vivenciar experiências inéditas, imergir na cultura de um povo diferente do seu e, quem sabe, até mesmo descobrir que, na essência, nem é tão diferente assim. Ah, imagine, que bobagem. Publique logo essas fotos e vá tirar outras.
Algumas pessoas dizem que é difícil ser adulto. Difícil nada! É facílimo! Até mesmo aquele seu colega cretino que não mede esforços para levar vantagem consegue. A caixa do supermercado, a sua mãe, o gari sorridente, a sua ginecologista, o seu chefe e a sua secretária também. Ser adulto, na prática, requer apenas idade. Não é difícil. Mas pode ser um pé no saco se você não tiver coragem de rasgar as regrinhas de conduta que o afastam dos seus próprios sonhos. A gente sempre tem opção, e não escolher também é uma escolha.
Este manual contém somente uma regra. A única convenção que sempre vale a pena seguir é o respeito. Por si mesmo e pelos demais. De resto, quem não anda sobre os seus sapatos não pode nem deve definir o seu caminho.
No domingão almoçamos numa churrascaria, ponto escolhido para a comemoração do aniversário do sogrinho. Recentemente tenho estudado algo sobre a dieta carnívora e talvez sejam as conclusões que começam a despontar que, pela primeira vez, fizeram o rodízio de carnes não ser tão apetitoso como sempre foi.
Sempre me considerei do tipo que passaria fácil sem uma série de alimentos, exceto carnes. Hoje começo a pensar que talvez animais não sejam assim tão essenciais na minha dieta. Mas por enquanto isso é só uma ideia.
O calor estava insuportável. Não funciono muito bem sob altas temperaturas. A única coisa em que eu e namorido conseguíamos pensar era no quanto um ar condicionado nos faria felizes. Caminhar num parque, portanto, estava fora de cogitação. Ainda mais porque os parques curitibanos, nas tardes de domingo, são invadidos por pessoas que emporcalham tudo com latas de cerveja e lixo de todo tipo, inclusive musical, vindo das potentes caixas de som de seus veículos. Em resumo, o parque vira uma selva assustadora.
Fomos então ao shopping mais próximo, ver se havia algo interessante na programação do cinema. Não encontramos nada que valesse o caro ingresso. Passei por uma vitrine e quase cedi à tentação consumista diante de um bonito vestido, por R$ 69,00.
Engraçado como os conceitos de caro e barato são de uma relatividade absurda. Quando faço meus passeios pelas lojas de povão no centro da cidade, praticamente qualquer peça que custe mais do que R$ 50,00 é cara. No shopping, qualquer cifra com menos de 3 algarismos merece uma segunda olhada. A gente costuma ver tantos preços que ultrapassam 4 casas e as etiquetas com o "3 x de" escrito em letras pequeninas antes do número principal, que começa a achar que é normal.
Bem na verdade, é mais uma daquelas armadilhas do mundo moderno que, se a gente para pra pensar, vê que não tem sentido algum. Por que razão uma roupa, um sapato ou um acessório qualquer merece custar o meu salário? Um mês todinho do meu trabalho, conquistado após 5 anos de faculdade, fora os 11 anos anteriores de escola, o cursinho e a pós-graduação? Claro que eu gosto de me sentir bonita, bem vestida e, se possível, aliar o bom gosto e elegância a um tanto de conforto. Mas será certo considerar normal gastar tanto dinheiro numa peça à qual a maior parte do valor foi agregado por uma simples etiqueta?
Nem toda essa reflexão foi feita ali, diante da vitrine que exibia o modelito de R$ 69,00. Na hora, pensei somente em objetivos maiores, que certamente merecem mais o meu investimento do que uma peça de roupa. Pensei rapidamente que, embora eu esteja realmente a fim de uns vestidinhos novos, nada impede que eu use os que eu já tenho, ainda que isso implique ter que repetir o figurino em algumas situações. Por fim, concluí que as pessoas que ficarem reparando nisso - o fato de eu estar usando uma roupa que já usei antes - são fúteis demais para merecer o meu respeito. E assim - ufa - escapei da armadilha da loja de roupas.
O mesmo não ocorreu na livraria. Saímos de lá, eu e namorido, felizes da vida com nossas novas aquisições. Sem arrependimento algum. Usar trajes novos jamais me proporcionaram tanta satisfação quanto adquirir mais conhecimento.
Do templo do consumismo, fomos ao Café do Teatro, onde passamos algum tempinho que ainda tínhamos antes do show do Antônio Nóbrega no Guaíra (esse programa merece um post exclusivo, que escreverei a seguir).
Mesinha na janela do Café do Teatro - eu e a melhor companhia ever
Antes de terminar esse texto, vale comentar ainda mais um acontecimento do final de semana. No sábado, comprei nossos ingressos para o show acima mencionado. Custaram R$ 5,00 mais um quilo de alimento, cada um. No momento de pagá-los, com uma nota de R$ 50,00, atendi a uma ligação no celular e, distraída, simplesmente não peguei meu troco. Só percebi isso mais de uma hora depois, quando fui pagar por uma garrafa de água e não encontrei um trocadinho sequer na carteira.
Desolada, telefonei para a bilheteria do teatro e expliquei a situação. Pensei comigo que já tinha perdido 40 pilas, não custava nada tentar uma solução. Disse ao Seu Arlei, o senhor que me atendeu que, se por acaso, no fechamento do caixa, sobrassem R$ 40,00, eles eram meus. Seu Arlei me disse para ligar no domingo, depois do meio dia.
Foi o que fiz e, com grande alegria, fui informada de que, de fato, sobraram R$ 40,00 e eu podia passar para pegá-los. Duas pequenas lições brotaram do episódio. A primeira é que foi bom eu ter mantido a calma, em vez de acelerar o envelhecimento das minhas células com um estresse desnecessário. A segunda é que, nas situações mais inusitadas, a gente pode resgatar um pouco da fé no ser humano. Valeu, Seu Arlei!
Já estava prontinha pra sair para o trabalho. Ao colocar o celular na bolsa, ele começou a tocar. Número estranho, prefixo 81. Atendi e uma voz feminina pronunciou umas palavras que não entendi.
- Como? - perguntei.
Ela repetiu e lá pela 4ª vez compreendi a frase, apesar da voz de sono e do sotaque tão diferente do meu:
- É de residência de Ivan?
- Não, senhora.
- Ah, então você me desculpe, é que aqui na lista telefônica esse número tá como de Ivan, instrutor de natação, ali do lado do clube tal, e eu pensei que fosse a esposa de Ivan.
- Não, senhora, esse número é um celular de Curitiba.
- Então você saiba que mora numa cidade muito linda, viu? Já passei por aí uma vez. E eu falo aqui de Pernambuco. Você já ouviu falar de uma cidadezinha pernambucana que tem a maior festa de São João do mundo, chamada Caruaru? Pois é aqui que eu vivo, numa cidade pequena porém muito linda, viu? E eu preciso é falar com Ivan, que é instrutor de natação da terceira idade, sabe? Porque eu tenho 74 anos, mas não parece, não, viu? O povo me pergunta se eu tenho 64, eu digo "que isso? Tenho 58 só de casada", viu? Em todo caso eu agora só digo que sou menina moça. Então você me desculpe, viu?
- Imagina, não tem problema, não! Um bom dia pra senhora, tá?
- E pra você também, viu?
E foi assim que uma menina moça pernambucana de 74 anos me fez sair de casa já achando graça da vida.