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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Detestáveis eufemismos

Eufemismo é uma figura de linguagem usada para disfarçar uma ideia desagradável. Anunciar o falecimento de uma pessoa parece mais suave do que dizer que ela morreu. Acontece que a noção de desagradável é bastante subjetiva. Por isso, às vezes acontece de alguém eufemizar uma situação que eu diria exatamente como é, porque a mim ela não desagrada.

Assim, acredito que determinados eufemismos causam mais mal do que bem. Expressam mais preconceito do que o termo que pretendem disfarçar. Ou terminam por revelar justamente os sentimentos que o eufêmico gostaria de ocultar.

Um desses casos que me incomodam é ouvir alguém chamar uma pessoa negra de morena. Como se negro fosse xingamento. Como se fosse uma coisa feia, impronunciável. O cara é quase azul de tão preto, e alguém diz: sabe aquele rapaz moreninho? Consegue ser pior do que a construção político-sacalmente-correta afro-descendente. Coisa ridícula, em minha opinião, pois já se referiram a mim como branca (sem contar branquela, palmito, gasparzinho, transparente) e eu nunca pensei em mover uma ação judicial por racismo, porque deixaram de reconhecer a minha origem, chamando-me acertadamente de euro-asiático-descendente, considerando que meus avós maternos eram ucranianos e que meu pai é sírio (e partindo do pressuposto de que meus ancestrais não tenham se miscigenado loucamente no passado).

Além disso, cabe aqui um pequeno teste: você acha que o termo afro-descendente seria o que melhor define, por exemplo, a Daiane dos Santos? Saiba então que um estudo encomendado pela BBC Brasil traçou o perfil genético da atleta e descobriu que ela tem 40,8% de ancestralidade europeia, 39,7% africana e 19,6% ameríndia. Ou seja, também seria certo chamá-la de euro-descendente, ameríndio-descendente...

Pra complicar um pouco mais, é bom ter em mente que os países da África Setentrional têm predominância de povos caucasianos e semitas, ou seja, nem todo afro-descendente é negro.


O dicionário apresenta, dentre outras definições para as palavras preto e negro, a de indivíduo da raça negra. O IBGE considera preto e pardo como cores de pele, sendo que ambas fazem parte da raça negra (não a banda do língua presa, por favor). Sendo assim, por que razão algumas pessoas insistem em se referir a indivíduos pretos ou negros ou, que seja, afro-descendentes, como moreno, moreninho, escurinho, de cor (como se existisse gente incolor)? Por que essas pessoas consideram necessário clarear a cor de alguém? A razão é tão óbvia que inventar qualquer coisa para não reconhecê-la pelo próprio nome - preconceito - seria outro detestável eufemismo.

É evidente que o que define as pessoas não é a cor da pele. Ademais, a maior parte dos cientistas concorda que toda a humanidade descende de um mesmo tronco ancestral. Ou seja, não estou aqui querendo incitar a categorização de seres humanos. Só estou dizendo que, se for para identificar uma pessoa pela cor da pele (se não for possível pelo nome, que é bem melhor), que seja pela palavra certa, e não por um eufemismo racista. É uma forma mais velada de racismo, não desperta tanto asco quanto piadinhas ofensivas de gente grotesca, mas é preconceito sim.

Outra coisa que me revolta é a mania que algumas pessoas têm de dar  outros nomes para a profissão de empregada doméstica. Existe todo um tabu em dizer que dispensou a empregada mais cedo para ela ir ao médico. Ai, que horror, empregada. Poutz, como me irrita esse discurso!

Vamos recorrer, mais uma vez, ao dicionário. Segundo ele, empregado doméstico é aquele que recebe paga por serviços domésticos. A lei assegura direitos a esses trabalhadores (não necessariamente do sexo feminino, e que podem exercer outras atividades além de faxina e limpeza).

Mas sempre tem alguém embalado pelo espírito político-imbecilmente-correto que vai se referir à empregada como secretária. Paira no ar a dúvida: será que a intenção é promover a faxineira a um patamar que o empregador considera mais digno, com uma palavra mais gentil, ou será que esse empregador quer parecer mais importante dando a entender que tem uma secretária particular? Seja lá qual for a razão, o equívoco é evidente, já que secretária, de acordo com o dicionário, é a pessoa que exerce o secretariado em sociedades e corporações. Escreve correspondências e exerce outras atividades do gênero. Nada a ver com o serviço doméstico. Também a lei estabelece direitos diferentes para as secretárias, já que o trabalho é diferente, a forma de contratação é diferente, enfim, já deu pra entender.

É claro que, como sempre, dá pra ficar pior: conheço gente que se refere à empregada doméstica simplesmente como moça. Às vezes, para ser mais específica, a pessoa diz a-moça-que-trabalha-comigo ou a-moça-que-trabalha-lá-em-casa. Somente pelo contexto é possível identificar a quem a fala se refere. E em outras vezes, a frase sai ainda mais estapafúrdia, quando a pessoa economiza nos detalhes e lamenta: minha moça faltou de novo, a casa está uma bagunça. MINHA MOÇA? Cadê o certificado de compra? Vê aí se essa sua moça tá no prazo de validade. E se a sua moça se sentir injustiçada, será que ela deve procurar saber de seus direitos no Sindicato das Moças? Será que a lei estabelece piso salarial para a classe das moças?

Eu acho horrível. Não consigo ver problema em reconhecer alguém como empregada doméstica, que é uma profissão tão digna quanto qualquer outra. Não entendo como ofensa. Para mim, o eufemismo aqui é mais uma clara manifestação de preconceito. Bobagem. Chato mesmo é ser desempregada, e não empregada. ;)

Ps.: Adoraria ouvir a opinião de uma pessoa negra e também de uma empregada doméstica sobre o assunto. Vai que eu tô falando bobagem? Se ninguém se manifestar aqui, vou perguntar pessoalmente e depois conto no blog.