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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Instinto selvagem

Este texto é o 5º de uma série. Clique aqui para ler os anteriores.

Algumas pessoas acham que os alertas sobre as doenças provocadas pelo consumo de carne são exagero ou tentativas de impor uma realidade questionável. Naturalmente, essas pessoas jamais chegam a pensar que o alarde em torno da suposta imprescindibilidade da carne na alimentação também pode ser falso. 

Nunca encontrei uma única notícia de um vegetariano que tenha morrido ou sofrido alguma consequência grave relacionada à sua dieta. Dois terços da população mundial sofre de anemia, e esse percentual é o mesmo entre vegetarianos e comedores de carne.

Tudo leva a crer que a dependência da carne é muito mais cultural do que física, embora muitos sustentem uma alegada necessidade biológica. Há quem acredite que a disposição para comer carne é inerente ao ser humano. Essa afirmação me leva à questão do instinto.

É interessante observar que, para um ser carnívoro, a simples visão de sua presa lhe abre o apetite. Por isso gatos caçam ratos que, para nós, são nojentos. O leão, ao olhar para uma zebra, enxerga o seu alimento. Não é preciso que a zebra esteja fatiada, sem pele, sem olhos, sem boca, sem focinho, temperada com vegetais, frita, cozida ou assada, parecendo qualquer outra coisa menos uma zebra. Ele saliva de ver o bicho correndo, vivinho.

Eu nunca lambi os beiços ao ver uma vaca pastando. Mas minha boca enche de água ao ver um pé de jabuticaba carregado, ou morangos vermelhos e suculentos. Costuma-se usar o seguinte exemplo: coloque uma criança numa sala com um coelhinho e uma maçã. Se ela comer o coelho e brincar com a maçã, você tem um carnívoro.

Já ouvi muitas histórias trágicas de porcos (animais onívoros) que mataram e comeram crianças desassistidas. Mas nunca na vida ouvi falar de uma criança que tenha pego um porquinho no quintal e o matado a dentadas. Quando falamos de adultos, alguém pode até argumentar que fomos educados a controlar nossos instintos. Mas e as crianças? Não é raro criança comer terra, areia, insetos (com um ano de idade eu tentei comer um besouro, salvo pela minha falta de dentes e pela atenção da minha avó) e até fezes. Alguém conhece uma criança que comeu seu hamster, sua tartaruga, ou mesmo que tirou seu peixinho do aquário e o engoliu?

É possível que eu esteja enganada, é claro. Porém, meus instintos me dizem que eu não nasci para comer carne, eu fui ensinada a gostar dela. E na época em que aprendi essa lição, eu não fazia a menor ideia de que aquela carninha tinha um dia sido uma vaca, uma galinha ou um peixe. Se alguém me dissesse, provavelmente eu não acreditaria sequer que o leite da caixinha tinha saído da teta de uma vaca. Eca, eu diria, com certeza.

(continua)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Comer carne é mesmo uma necessidade biológica? (parte 2)

Este texto é o 4º de uma série. Clique aqui para ler os anteriores.

Prosseguindo a análise de fatores biológicos que determinam (ou não) a nossa dieta, cabe observar as diferenças de comprimento e de forma dos intestinos das espécies. Carnívoros possuem trato intestinal curto (de 3 a 6 vezes o comprimento de seu corpo) e liso. Isso faz com que a carne da qual eles se alimentam seja expelida rapidamente do organismo, evitando a contaminação por toxinas. Herbívoros, por sua vez, têm o intestino longo (de 10 a 12 vezes o comprimento de seu corpo), e repleto de vilosidades. Essa estrutura garante que os vegetais permaneçam no organismo por tempo suficiente para a absorção de todos os nutrientes necessários.

E quanto aos onívoros? Muitos autores dizem que seus intestinos são muito semelhantes aos dos carnívoros. Os defensores da ideia do ser humano como onívoro, por sua vez, afirmam que nossos intestinos são idênticos aos dos onívoros. Observando diversas representações gráficas, percebi que há animais com intestinos com formatos e tamanhos semelhantes e dietas diferentes.

A explicação para isso é que o intestino de cada espécie (mesmo as classificadas como onívoras) é mais longo quanto maior a importância do vegetal como fonte de energia. Ou seja, há onívoros cuja alimentação é predominantemente voltada à ingestão de carnes (intestino curto) ou de vegetais (intestino longo). O intestino humano, só para constar, mede de 10 a 11 vezes o tamanho de seu corpo, e possui diversas vilosidades e curvas que garantem que o alimento permaneça ali dentro por bastante tempo.

Isso talvez signifique que a dieta ideal para os seres humanos seria predominantemente vegetal, complementada por proteína animal. Ou seja, algo bem diferente de um prato de bife com batata frita, arroz e meia folha de alface. Um ponto que reforça essa teoria é o fato de que, ao contrário do que a indústria alimentícia tenta nos convencer (e geralmente consegue), a maior parte de nós consome uma quantidade de proteína muito maior do que necessidade diária, o que representa uma sobrecarga para o fígado, obrigado a processar todo o excedente.

Então por que eu resolvi extirpar a carne da minha dieta, ao invés de simplesmente diminuir a quantidade dela? Dentre outras razões, porque fiquei um assustada ao me descobrir que o processo da digestão - até o momento da excreção - dura, na melhor das hipóteses, cerca de 12 horas. Veja, a melhor das hipóteses quer dizer que a dieta seja predominantemente vegetal, repleta de fibras. Uma pessoa que não costuma ingerir verduras, grãos e outras fontes de fibras pode levar até 4 dias para eliminar os resíduos.

Isso quer dizer que a carne - já em decomposição - passa um tempão dentro do corpo humano. Talvez você não veja problema nessa demora para se livrar do cadáver ingerido, considerando que nosso organismo supostamente esteja preparado para isso. Mas é possível também que você não tenha lembrado que a carne que consome veio de um animal entupido de hormônios, antibióticos, agrotóxicos (estes se acumulam na carne durante meses, sem contar que muitos produtores tratam verminose do gado injetando herbicidas, em quantidades muito maiores do que as aplicadas no capim) e substâncias cancerígenas, usadas para a conservação da carne durante meses nos frigoríficos, e para manter a sua cor vermelha (certamente a cor acinzentada da carne putrefata afastaria os consumidores).

É inevitável concluir que, hoje, a dieta onívora provoca muito mais malefícios do que benefícios. O consumo de carne atualmente é muito maior do que era antigamente, e os estudos apontam para um aumento cada vez maior. As consequências não atingem exclusivamente a saúde humana, mas isso é assunto para ser tratado mais além. O que me cabe dizer, por ora, é que é ingenuidade não associar o incremento do consumo de carne ao aumento vertiginoso de casos de câncer e doenças cardiovasculares, dentre outras. Diversas pesquisas científicas têm comprovado essa relação.

Também não existe um consenso sobre a alimentação original do ser humano. Há quem acredite que somos onívoros desde sempre. Outras correntes acreditam que éramos inicialmente frugívoros (seres que alimentam-se exclusivamente de frutas), e que passamos a ingerir outros alimentos por necessidade. Eu, particularmente, vejo mais coerência nessa segunda alternativa.

Isso porque os seres humanos, nos primórdios de sua existência da Terra, não habitavam todo o globo, mas tão somente regiões tropicais, onde existe abundância de alimentos vegetais, de muito mais fácil aquisição do que os ariscos animais. Porém, ao migrar para outras regiões do planeta, as coisas mudaram. Além disso, é possível também que desastres naturais e alterações climáticas bruscas tenham obrigado nossos ancestrais a incluírem animais e derivados em sua dieta. Dietas se adaptam às necessidades. Mas isso são apenas teorias.

A questão essencial que cabe perceber é a seguinte: se somos, de fato, onívoros (seja originalmente ou em resultado de uma adaptação ao ambiente), isso significa que podemos nos alimentar tanto de vegetais quanto de animais. Especialmente hoje, quando a ciência já desenvolveu incontáveis formas de suplementação alimentar, e temos à disposição uma infinidade de alimentos vegetais ricos em nutrientes, uma dieta estritamente vegetariana bem variada e complementada pelo consumo de vitamina B12 é perfeitamente viável. E ainda evita diversos problemas advindos do consumo da carne. Prova disso é a saúde de ferro de diversos vegetarianos.

Todo o restante é bobagem. A crença infundada de que a carne e seus derivados seriam essenciais na alimentação humana já caiu por terra há muito tempo, basta pesquisar um pouco para saber. Toda a controvérsia cinge-se, portanto, a uma questão de escolha.

Ao compreender tudo isso que acabei de explicar, segui minha jornada em busca da realidade, ou seja, não desprezei nenhum conhecimento no processo de elaboração de uma escolha consciente. Argumentos como "mas todo mundo come carne", "comemos carne desde a pré-história", "o homem está no topo da cadeia alimentar", "mas eu não resisto ao sabor de um churrasquinho", "eu seria vegetariano se tivesse alguém para cozinhar para mim", "se as pessoas parassem de comer carne seria o fim da economia" ou "comer carne faz parte da natureza humana" manifestam a simples repetição de padrões desprovidos de fundamento. E a opção de viver de forma consciente é incompatível com a aceitação de paradigmas sem qualquer tipo de questionamento.

A seguir, traçarei algumas linhas sobre conclusões particulares que formei ao longo desse processo, antes de citar alguns argumentos que contribuíram para a decisão definitiva.

"A wise man makes his own decisions, an ignorant man follows public opinion"

Chinese Proverb

(continua)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Comer carne é mesmo uma necessidade biológica? (parte 1)

Este texto é o 3º de uma série. Clique aqui para ler os anteriores.

Não pretendo me aprofundar muito nas características biológicas que identificam os animais classificados como herbívoros (alimentam-se de vegetais, exemplo: vaca), carnívoros (alimentam-se de animais, exemplo: leão) e onívoros (alimentam-se de qualquer coisa, exemplo: porco). Existem diversos estudos sobre o assunto facilmente encontrados na internet, escrito por gente muito mais autorizada do que eu: médicos, nutricionistas, cientistas, engenheiros agrônomos, veterinários e outros.

Como em qualquer discussão polêmica, cada parte procura favorecer o seu ponto de vista como se disso dependesse sua própria vida. Assim, temos de um lado defensores ferrenhos do consumo de animais, com seus argumentos biológicos e, principalmente, culturais, embora estes se confundam com aqueles. De outra parte, vegetarianos não se satisfazem em explicar sua opção, mas angariam em todas as áreas do conhecimento raciocínios que comprovem que são eles, e não os demais, que estão certos.

Na linha dos argumentos biológicos, não existe consenso. É fato que o organismo humano difere absolutamente do carnívoro. Em muito se assemelha ao herbívoro, mas apresenta também características em comum com o onívoro.

Alguns pontos são mais frequentemente analisados nos trabalhos classificatórios de animais por hábitos alimentares. O primeiro deles é a dentição. Carnívoros possuem dentes bem diferentes dos demais animais: pontudos, afiados, feitos para dilacerar a carne e engoli-la aos pedaços. Carnívoros não mastigam. Se você tem um cachorro, já deve ter observado que qualquer coisa que ele abocanhe desaparece imediatamente.

Herbívoros possuem dentes chatos e largos, próprios para a mastigação. Onívoros têm dentes de todos os tipos. Muita gente acredita que esse seria um ponto de semelhança com os onívoros, afinal, nós temos dentes caninos. Minha opinião é de que, a não ser que você seja um vampiro, seus caninos devem ser ridiculamente pequenos como os meus, e não servem para dilacerar a carne crua de um animal. Por isso você precisa de um garfo e de uma faca. Além disso, gorilas só se alimentam de frutas e têm dentes caninos enormes (maiores até que os de um vampiro!). Vários herbívoros possuem grandes caninos.

Outro ponto bastante discutido é o fato de os humanos, assim como os herbívoros, possuírem enzimas digestivas presentes na saliva. Isso acontece porque nossos ácidos estomacais são dezenas de vezes mais fracos que os dos carnívoros. Assim, nós precisamos mastigar bastante e enviar para o estômago um alimento "pré-digerido". Os herbívoros são capazes de digerir alimentos que os carnívoros não conseguem, convertendo matéria vegetal em proteína.

A principal diferença entre os humanos e herbívoros, arguida com grande animação pelos defensores do onivorismo, é o fato de que nós temos, no estômago e no intestino, enzimas capazes de processar carne. Bem, elas certamente são capazes de digerir carne de gente (e outras coisas mais nojentas que preferi não escrever para você não vomitar), nem por isso tenho visto maminhas humanas nos cardápios de restaurantes por aí. E os próprios cientistas responsáveis por essa grande descoberta afirmam que isso é resultado da dieta adotada pela espécie. Ou seja: temos essas enzimas por que comemos carne há milênios, e não o contrário.



"É sempre nobre, generoso e necessário, falar em erros cometidos, enquanto se podem remediar."
Eça de Queirós
(continua)