domingo, 20 de dezembro de 2009

Chegou a hora




É chegada a hora de fazer um balanço. Vamos precisar de: madeira, pregos, duas cordas e um lugar para pendurar. Ok, finjam que eu não escrevi isso.

Só para não perder a mania de dividir o tempo em fatias e explicar depois da (in)digestão qual foi o sabor de cada uma, vou dizer algo sobre o ano de 2009.

Se eu não tivesse aprendido nada na vida, diria que foi um ano difícil, muito difícil. Contaria as desventuras que passei, as decepções que sofri. Costumava ouvir dizer que, quando você vê um amigo numa briga, primeiro chega dando uma voadora em quem o está agredindo, depois pergunta o que aconteceu e descobre de quem é a culpa. Porém, no momento em que eu estava apanhando, as pessoas me incentivavam a atitude cristã de dar a outra face. Diziam que eu devia agradecer, porque veja bem, podia estar doendo muito mais. Porque as pessoas sempre sabem mensurar o tamanho da sua dor.

Mas não serão esses momentos que pautarão minhas memórias futuras do ano de 2009. Uma lição valiosa que aprendi é a tão batida e tão pouco aplicada questão do ponto de vista. Da perspectiva de quem vê. E da disposição para ver determinadas coisas.

Quando a gente deseja comprar um certo carro, vê o modelo por toda parte. Quando não está interessada, pode ser atropelada por ele sem ter reparado na cor. Com a vida é a mesma coisa: quando estamos dispostos a enxergar as coisas boas, elas acontecem muito mais. E quem só está a fim de reclamar recebe a dádiva do universo: muita desgraça aparece pra ter assunto de sobra.

A verdade é que, de acordo com a minha lábia e a minha disposição para ressaltar estes ou aqueles pontos, posso convencer qualquer pessoa de que sou a vítima preferida do grande legislador Murphy, e de que tudo de pior acontece comigo. Posso fazer você acreditar que eu ando com um alvo gigantesco estampado na minha cabeça pra nenhum urubu errar a mira. Também posso, com a mesma facilidade, convencer de que sou a pessoa mais sortuda de todo o Cosmos. Tudo de melhor me acontece. Posso transformar as pequenas alegrias rotineiras em grandes feitos alardeados com pompas de ato heróico. Depende apenas das cores que eu escolher pra pintar minha história.

Estou de saco cheio de ouvir gente dizer que "esse foi um ano horrível", e que "o próximo será bem melhor", como se o dia 31 de dezembro tivesse propriedades mágicas, capazes de afastar todos os males da sua vida, eliminando automaticamente todas as mágoas, dívidas e dissabores. O dia 1º de janeiro, por sua vez, é praticamente um amuleto da sorte, que traz muito dinheiro, paz, tranquilidade, um chefe mais compreensivo ou o negócio próprio, muitos clientes, sucesso, beleza, magreza, tonuz muscular, disposição, cura unha encravada, má digestão, dor de corno e traz seu amor de volta em 7 dias.

Detalhe interessante é que as mesmas pessoas que acreditam nisso hoje são as que acharam 2008 um ano péssimo, e que apostaram todas as fichas em 2009. "Esse vai ser incrível", diziam. Rolou até trocadilho infame: "Em 2000, inove". Mas as pessoas parecem não ter inovado nada, e continuam com o mesmo discurso de "que tudo se realize no ano que vai nascer". Já posso até esperar o "2010 vai ser 10". Blé.

Se as coisas precisam mudar, por que não começar hoje? Pra que escrever uma listinha de metas para o próximo ano se eu não estou disposta a fazer a matrícula na academia hoje mesmo? Se eu não tenho coragem de pedir um aumento, por que acreditar que o meu chefe, por pura sensibilidade e caridade, irá me promover no semestre que vem?

E outra: será mesmo que foi tudo tão ruim assim? Ou as coitadinhas das coisas boas estão esquecidinhas num canto da lembrança, enquanto os desacertos estão figurando no centro do palco, com os holofotes voltados para eles? Quando foi que o papel de vítima das circunstâncias entrou tão na moda? Não vejo necessidade em se fantasiar de herói, anunciar vitórias aos quatro cantos, mas que coisa chata conviver com gente que só se queixa!

Você pode até me dizer: "mas eu lembro que ano retrasado você também acreditava que as coisas seriam  magicamente melhores no próximo ano!". Você pode me lembrar também de que até um tempo eu gostava bem mais de escrever sobre coisas ruins que me aconteciam, e fazia graça com a desgraça com muito mais facilidade. Esse era até o mote do meu blog antigo, talvez você lembre. E eu posso dizer que até 26 anos atrás eu usava fraldas, e felizmente não uso mais. Triste é o tempo passar e a gente não mudar nunca! Viva Raul! Também não quero ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Hoje, sou assim: disposta a ver o bem. E não só o bem que virá, mas aquele que já veio, e que passa despercebido por muita gente, ocupada demais em reclamar. E talvez não seja mera coincidência o fato de tantas coisas boas estarem me acontecendo. Quer saber quais são? Não há sentido em enumerá-las. Ainda mais com esse tanto de gente infeliz à solta por aí, querendo companhia na miséria.

Prefiro então desejar a cada um dos meus (8) leitores que encontrem a felicidade também. E, principalmente, que estejam com os olhos abertos para vê-la quando aparecer.

Se me permitem dar uma dica, eu descobri que é bem mais fácil enxergar o que me acontece de bom se não estiver atenta à vida alheia. Se não fizer comparações injustas. Se não estabelecer metas impossíveis. E se valorizar menos os fracassos e mais as conquistas. Ok, foram várias dicas. Não vou cobrar nada, fica de presente de Natal, beleza?

Curtam o Natal com suas famílias e amores! E sejam felizes não só no ano que vem, mas hoje, amanhã, depois e sempre!

Beijinhos repletos de felicidade,

Oki

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ma oeee, quanto tempo!

Ei, amigos da Rede Sbrubles, estamos aqui nesse lindo dia de merda, mais uma bela quinta-feira de trabalho, uhuuu. Já há muitos e muitos dias eu vinha estranhando o sumiço do chefinho. Não me pediu nada, nem fez a cRássica pergunta: "quais são suas pendências?", nem coisa alguma. Nas vezes em que ligou aqui no meu ramal foi só para pedir pra encaminhar um e-mail, coisa pouca.

Eis que hoje, para minha desgraça infinita alegria, ele finalmente lembrou-se da ecxistência de moi! Chegou aqui todo serelepe e, com um arzinho de ironia (que não cai bem num chefinho, convenhamos, ironia é coisa de subordinado. Não?) disse que acredita que o meu silêncio signifique que estou resolvendo todas as minhas pendências (ah, sempre as malditas pendências) e que vou entregar tudo pronto amanhã. Oi? Vontadinha de perguntar: e em Papai Noel, acredita também?

Ocorre que amanhã é meu derradeiro dia de senzala trabalho antes da alforria das férias. Duas semaninhas tão esperadas em que ficarei curtindo a vida adoidado arrumando a casa, lavando, passando, tirando pó, organizando, dando retoques na pintura das paredes riscadas pela chegada dos móveis, coisas do gênero.

Entã, vejam só, amigos, que loucura. Como uma mesma situaçã pode ensejar tão diferentes interpretações, não? Eu cá com minhas teclas ingenuamente acreditando que chefinho tinha resolvido me dar uma folga, afinal ele deve ter percebido pela profundidade das minhas olheiras que eu sou uma pessoa moribunda cansada de tanto trabalhar e à noite arrumar a casa e talz. Com a sensibilidade inerente ao espírito masculino, ele deve ter sentido que essa nova rotina pós-mudança com tantos detalhes a acertar, compras a fazer, coisas a arrumar, está cansativa demais. Por isso, esse homem benevolente estaria me poupando das atribulações ordinárias do trabalho.

Enquanto isso, na sala da justiça, chefinho estava esperando a conclusão daquelas tarefas chatinhas que se encontram sobre minha mesa desde o início da era cenozóica. Pessoinha impaciente, viu? Mas, como ele não é bobo nem nada, bem no fundo ele já sabia que eu não estava fazendo muito além daquele esforço hercúleo para manter as pálpebras abertas, e veio até aqui hoje fazer um terrorismo.

Claro que a tarde já está quase acabando, e que amanhã, além de todas as motherfucker pendências, preciso fazer o lançamento das horas trabalhadas no mês. Aqui por essas bandas, isso também é conhecido como pain in the ass (com sotaque britânico, bem bonito). Portanto, a coisa mais inteligente a fazer, qual é? Ahm? Dou-lhe uma... Dou-lhe duas... Dou-lhe três! Vendido para a senhora de chapéu na quarta fileira!

Ó-BE-VE-O: escrever um texto que, se não for a pérola que faltava para finalmente me render um prêmio Nobel da literatura (hipótese muito provável), pelo menos terá servido para me manter acordada por alguns minutos. Porque pior do que não resolver as stupid dumbshit goddamn motherfucker pendências, é ser flagrada dormindo pelo chefinho, né não?


Beijo, outro, tchau.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Chuchuzinho

A Dona Shirley era mãe do ex-marido da minha mãe. Eu a conheci quando tinha 11 anos de idade, e 3 anos depois ela faleceu. Apesar do pouco tempo em que esteve comigo, ela é minha referência de avó, já que a minha avó materna faleceu quando eu tinha só um aninho, e a paterna eu nunca conheci.

Era uma figura especial, minha Vó Shirley. Toda bonitona e namoradeira, nunca estava sozinha. Quando partiu dessa pra melhor, estava noiva, acredita?

Fazia questão absoluta de me apresentar pra todo mundo como "a neta mais velha". Queria porque queria que eu fosse desfilar num evento do clube que ela frequentava. Eu era uma adolescente desajeitada, com cabelo ruim, nariguda e me vestia super mal, mas aos olhos dela, eu era uma "moça linda".

Almoçávamos toda quarta-feira na casa dela. A comida, obviamente, era deliciosa. Comida de vó sempre é uma delícia. Tinha uma mania que era a maior piada na família: se você se distraísse conversando, a mineirinha vinha e recolhia o prato. "Ô, vó, tô comendo ainda!". "Ah, pensei que já tivesse acabado".

Há alguns dias foi aniversário dela, acho que no dia 10, não tenho certeza.

Mas foi hoje que eu lembrei dela, porque no restaurante que eu almoço todo dia tinha salada de chuchu. Essa iguaria mais insossa da culinária brasileira era uma maravilha quando preparada por ela. Eu não conseguia entender como o tempero dela tornava aquilo tão gostoso. Limão, sal, pimenta do reino, cheirinho verde. Minha mãe fazia em casa, não ficava igual.

Até hoje eu pego salada de chuchu sempre que tem no buffet de qualquer restaurante, ou na casa de alguém,  com a esperança de sentir de novo aquele gostinho. Nunca é tão boa.

Fiquei pensando em como simples detalhes muitas vezes marcam mais do que grandes gestos. Tenho diversas lembranças da minha querida avó, mas é uma simples salada de chuchu que me faz sorrir na fila do buffet e me deixa o maior aperto de saudades.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Vergonha


Durante toda a minha infância (assim como nas fases que a sucederam), eu tive praticamente nenhum contato com meu pai. Talvez a falta de influência paterna, somada ao total desinteresse da minha mãe por esportes, justifique porque o futebol nunca foi uma paixão na minha vida.

Eu devia ter uns 8 anos de idade quando decidi que torceria para o mesmo time que a maioria dos meus amiguinhos da escola, o Coritiba. Já que eu não tinha uma tradição familiar a honrar, não faria sentido algum optar por um time que me tornasse menos popular entre os meus pares.

Já na adolescência, cheguei a ir a uma meia dúzia de jogos com amigos realmente apaixonados pelo time. Qualquer adolescente busca incansavelmente a identificação com um ou mais grupos, então era interessante assumir o rótulo de coxa branca, algo que me aproximava de indivíduos com a mesma característica.

Um dia, porém, sofri o trauma. Pausa dramática. Respira fundo. Até hoje é triste lembrar aquele dia. O Coxa recebeu o time do São Paulo em casa. O ano, não tenho certeza, mas provavelmente foi 1999. O Couto Pereira estava superlotado, a entrada era gratuita para mulheres e crianças, e uma multidão ainda se acotovelava lá fora, querendo entrar. Eu me perdi do amigo com quem eu tinha ido, porque me afastei procurando um espacinho onde desse para respirar. O contato físico involuntário era inevitável, por mais que a gente evitasse encostar nas pessoas.

De repente, senti uma coisa quente no lado esquerdo do meu corpo, que estava se fundindo com o lado direito do corpo de um desconhecido. Eu e ele olhamos para a fonte de calor e identificamos, com a mesma cara de nojo-pavor-asco-absoluto que alguém da arquibancada superior havia vomitado na gente.

Corri para o banheiro, tentei lavar como pude aquela nojeira na pia. Tirei minha camisa (estava com uma blusinha por baixo, óbvio) e joguei fora. O grande problema era o meu cabelo, repleto de resquícios mastigados de almoço cobertos de suco gástrico do fidumaégua. Saí tentando controlar o enjôo e o choro. Peguei um busão, cheguei em casa e passei umas duas horas debaixo do chuveiro. O Coritiba venceu o São Paulo por 2x1, mas eu nem comemorei. Depois do fatídico acontecimento, só voltei ao estádio uma vez, num jogo de quarta-feira, contra um time de várzea, com cerca de 7 torcedores no estádio, contando comigo.

O tempo passou e o futebol se tornou uma coisa cada vez mais banal para mim. Se alguém me pergunta para que time eu torço, respondo por força do hábito, mas não tenho a mínima ideia do nome dos jogadores, do técnico, nem quando é o próximo jogo. Não me faz falta nenhuma.

Por sorte, vivo com um homem que também não dá a mínima para futebol. Sério mesmo, toda vez que ouço o papo chato dos maridos, noivos e namorados fanáticos das minhas amigas eu faço uma prece silenciosa de agradecimento. Jamais o meu namorido trocaria um programa comigo por um jogo na TV ou no estádio. Nunca eu vou ter que ouvi-lo dizer publicamente que eu sou uma chata porque não entendo o amor dele por um time. O Dé até gosta de jogar com os amigos de vez em quando, mas não vê sentido em sentir apreço exagerado por qualquer time, em dedicar uma fé cega como se o clube fosse o caminho da salvação, ou em perder uma tarde de domingo, uma noite de quarta ou qualquer outro momento assistindo a um jogo, enquanto a vida acontece lá fora.

É exatamente o mesmo que eu penso. A alegria que sinto quando meu time ganha talvez não seja tão grande quanto a de pegar quase todos os semáforos abertos no caminho para o trabalho, ou de descobrir uma nova cor de esmalte que super combina com meu tom de pele, ou de ter uma boa ideia para a petição em que estou trabalhando. Quando meu time perde, nem penso em me incomodar. Pra mim é absurdo alguém sofrer porque uns caras que ganham pra chutar bola fazem mal o seu trabalho.

Não consigo entender como tem pessoas que se dedicam de forma tão intensa e passional à torcida. Chorar, desesperar, brigar, perder amizade, passar o dia enchendo o saco dos amigos que torcem para o time adversário que perdeu. Tudo isso por causa de um jogo? Na boa, não entra na minha cabeça. O que o futebol tem de tão especial quando comparado aos outros esportes, que torna um grupo de homens correndo atrás de uma bola assim tão atraente? Por que ninguém arranca os cabelos porque uma dupla de vôlei de praia perdeu? Ou ri da cara de alguém que torce pra um japorongo que perdeu no ping pong?

Claro que na Copa do Mundo é divertido reunir os amigos, torcer pela seleção, embora não do mesmo jeito que torço pelos atletas brasileiros de outras modalidades. Atualmente, a maior parte dos jogadores de futebol, em especial os da seleção, sofrem de uma crise de estrelismo lazarenta. Diferente do pessoal que luta, muitas vezes sem patrocínio, que dedica a vida a representar o país no esporte.

Diante disso, há anos eu me considero indiferente em relação ao futebol e, mais ainda, ao Coritiba.

Isso até o domingo passado, 6 de dezembro, quando parte da torcida coxa branca protagonizou cenas de completa brutalidade e selvageria. O time caiu pra 2ª divisão? Cago pra isso. Não dou a mínima. Foda-se. Encontrar um fio de cabelo branco me entristece mais.

Inaceitável é invadir o campo, agredir árbitros, policiais e outros torcedores. Grotesco é espalhar o pânico nas ruas, jogar bombas em ônibus, destruir o patrimônio público. Vergonhoso é mandar para o hospital várias pessoas que não tinham nada com a história, como uma enfermeira que voltava de ônibus do trabalho e, atingida por uma bomba, perdeu três dedos da mão direita. Vexame é atingir um policial desmaiado com uma barra de ferro na cabeça. Desonra é sair distribuindo tiros, cacetadas e porradas, como se isso consertasse a situação do time que jogou mal. Sem falar na burrice que é destruir o próprio estádio e submeter o clube ao risco de uma punição mais severa.

Isso tudo me causa muito mais asco do que aquela vomitada que levei na cabeça.

Depois dessa, quero que meu velho hábito perca a força. Quando me perguntarem pra que time eu torço, quero dizer: nenhum.

Ps.: quero deixar claro que não tenho nada contra a maioria dos torcedores, tanto do Coritiba quanto de outros times, que têm amor (para mim inexplicável) pelo time e não precisam agir como animais para demonstrar isso. Esse texto reflete apenas a minha opinião de que o futebol devia ser apenas uma distração, e não motivo de fanatismo, de discórdias e de vexames como o acima descrito. Todo mundo é livre para concordar ou discordar, mas qualquer comentário que me desrespeite será sumariamente deletado, porque eu que mando nessa bagaça.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

2012 - Realmente, uma catástrofe


Fui ao shopping com o namorido nesse domingo, com um objetivo exclusivo que não conseguimos cumprir por culpa de uma vendedora vaca estúpida mal educada sem vontade de trabalhar. Já que estávamos lá, resolvemos ir ao cinema, para não perdermos a viagem. Eu queria ver Julie & Julia, mas achei que o Dé iria acabar dormindo durante o filme, e eu ia me irritar com a insensibilidade masculina. Então assistimos ao 2012. E como eu não sou chegada ao subgênero de filmes-catástrofe, ele ficou me devendo a escolha do próximo, e vai ter que ficar acordado até o fim (nem que eu precise fazer cócegas para garantir que isso aconteça).

Quanto ao filme, ele é mais ou menos tão ruim quanto eu esperava. Na verdade um pouco pior. Pra variar, o trailler mostra tantas cenas repletas de efeitos especiais incríveis, o Cristo Redentor despencando, aquilo tudo, que no filme você espera ver muito mais. E você não vê muito mais. Não percebo grandes diferenças (exceto pelos cenários das maquetes) entre as cenas de destruição desse e dos outros filmes do mesmo diretor (Roland Emmerich), como Independence Day e O dia depois de amanhã. Ondas gigantescas, rios de lava, terremotos, grandes monumentos da história da humanidade ruindo, gente desesperada morrendo, bah. Tudo muito igual.

O Dé até quis argumentar: “ah, não foi tão ruim, você até chorou”. Okey, vamos combinar, eu choro em comercial de margarina. Sempre escorria uma lágrima furtiva quando passava aquele comercial do Gelol com o slogan “não basta ser pai, tem que participar”. Eu me debulho em lágrimas em último capítulo de novela. Eu me emociono assistindo ao jornal. Passei uma semana em depressão quando vi Titanic no cinema (dá-se um desconto: eu tinha uns 15 anos e era apaixonada pelo Leo). Enfim, minhas lágrimas não são um bom parâmetro de qualidade.

Sendo assim, é claro que eu choro cada vez que vejo uma cena de um pai se despedindo de uma filha por telefone antes do mundo explodir. Quando uma mãe desesperada só pensa em salvar a vida dos filhos. Quando um casal apaixonado se olha pela última vez antes de uma tsunami avacalhar com tudo. Eu não consigo não me imaginar no lugar da personagem. É a identificação que me comove.

O filme é puro clichê (SE VOCÊ NÃO VIU AINDA E NÃO QUER SABER DETALHES DA HISTÓRIA, PARE DE LER AQUI, EMBORA EU DUVIDE QUE TENHA ALGO NO FILME QUE VOCÊ NÃO TENHA VISTO AINDA). Já começa pelo chavão do pai separado (John Cusack) tentando se reaproximar dos filhos num acampamento (alguém realmente faz isso?), e pelas faíscas de amor mal resolvido quando se encontra com a ex-mulher (Amanda Peet).

Há uma cena em que um casal (a ex do Cusack com o atual marido, Thomas McCarthy) está fazendo compras, em plena crise conjugal. O marido diz “parece que tem algo nos separando”, e o chão começa a tremer. Naquele momento eu falei: “não, eles não fizeram isso...”. Sim, eles fizeram. [IRONIA MODE: ON] O absolutamente imprevisível . A fenda se abre no chão deixando o marido e a esposa em lados opostos do cannyon que se abriu bem no meio do mercado. Uau, surpreendente. Do mesmo jeito que uma outra fenda se abre no teto da capela Sistina, separando o dedo de Deus do dedo de Adão na famosa cena da criação retratada por Michelangelo.

Algo que irrita nesses filmes é o fato de o mocinho e o pessoal que vai se salvar junto com ele fazerem coisas altamente estúpidas. Como, por exemplo, quando o personagem do Cusack deixa a família no avião e vai procurar o mapa de localização das naves salvadoras, que está em mãos do profeta maluco que mora no meio da floresta (Woody Harrelson). É ÓBVIO que ninguém numa situação dessas levaria a filhinha de sete anos, não só pelo perigo da situação, já que a porra toda está desmoronando, explodindo, entrando em erupção, mas também porque a menina ia atrasar tudo! Mas, claro, no filme o cara leva a criança junto.

Nos últimos instantes antes da lava-fogo-destruição-poeira-cósmica atingi-lo, ele procura minuciosamente pelo mapa na prateleira indicada pelo maluco. Abre o mapa do metrô, dobra de novo... Por que diabos o imbecil não cata todos os mapas e sai correndo pra conferi-los dentro do avião? Ah! E também para que o público possa apreciar todos os efeitos criados para o filme, é necessário que o protagonista passe por absolutamente todos os desastres possíveis, escapando ileso enquanto o restante dos seres vivos é varrido da face da Terra.

Ah, sim, não podemos esquecer do cara (Thomas McCarthy) que fez duas aulinhas num monomotor e, no momento de desespero, aprende a pilotar qualquer avião. E já sai fazendo manobras radicais, split, duplo looping, desviando de prédios em queda... Aí, quando já se transformou em candidato pra Esquadrilha da Fumaça, tem a chance de salvar a própria vida e da família simplesmente servindo de co-piloto, mas faz questão de ressaltar que não pode fazer isso, que não sabe pilotar, que precisa ser honesto... Alouuuuu, vai fazer charminho numa hora dessas?

O filme inteiro só consegue fazer uma única surpresa, e é uma surpresinha bem mixuruca. Os personagens passam o filme todo falando nas tais naves que foram construídas para salvar a elite do planeta, e finalmente o espectador descobre que não são naves espaciais, mas sim arcas gigantescas. Ooooohhh, tipo a arca de Noé, né, tia? É. Isso mesmo.

Aí é uma sequência de sacanagens: os caras se matam para conseguir entrar clandestinamente na arca, até que o pessoal lá dentro sofre um ataque de solidariedade e resolve abrir as portas para o povo entrar. Então o china que conseguiu o ingresso de cambista para a salvação acaba moendo as pernas, o chato do marido atual da mocinha, que só serve para atrapalhar o romance entre o casal principal, finalmente sai de cena com uma morte dolorosa. E então o cabo que os penetras usaram pra entrar fica enroscado nas engrenagens, impedindo a porta gigantesca da bagaça de fechar, e sem o fechamento da porta, os motores não ligam, e sem ligar os motores, a humanidade é extinta.

Nessa hora foi inevitável pensar: “isso que dá comprar arca made in China”.

De repente, um cara anuncia no alto-falante para o que restou da raça humana que não tem mais jeito, que todo mundo vai morrer, que não tem como chegar ao tal do cabo enroscado porque a área está toda submersa e seria uma missão suicida. Curiosamente, o povo não se desespera, não se instaura o pânico, tudo muito tranquilo.

O mocinho, ao ouvir as palavras “missão suicida”, pára pra pensar se vale a pena e tal, ignorando o fato de que, se ele não for, vai morrer do mesmo jeito, junto com o resto da galera, espatifada no Everest. Claro que nessa cena, assim como em muuuitas outras do filme, não poderia faltar um diálogo inútil, típico daqueles momentos em que NINGUÉM em sã consciência pararia para conversar.

O cara está indo salvar a arca da destruição iminente, o impacto será em poucos minutos, mas o filho pré-adolescente tem que querer ir junto, pra ajudar o pai. Em vez de o cara dizer pra mãe do menino: “segura esse moleque aí, cacete”, ele pára pra fazer aquele discurso emocionante.

[CANÇÃO EMOCIONANTE - EU CHORANDO]
“Filho, você já está me ajudando. Lembra o dia em que sua irmãzinha nasceu, e você se tornou o irmão mais velho dela? Então. Desde aquele dia você é o responsável por cuidar dela quando o papai não está por perto. Nesse momento, sua irmãzinha está se cagando de medo e precisa de você. Eu quero que você vá lá e diga algumas palavras doces para ela se acalmar, e se você fizer isso, eu fico tranquilo. Isso é tudo que seu velho pai poderia esperar de um filho num momento desses, em que o mundo está acabando, a humanidade chega ao fim, e essa voz sexy do computador anuncia que só faltam 2 minutos para o impacto fatal. Agora eu preciso tomar muito fôlego, por que ficarei sem respirar muito tempo. Embora só tenhamos 2 minutos para a porra toda explodir e afundar, essa cena vai durar ainda uns 15 minutos de intensa agonia, você vai ver. Se um dia, quando crescer, você virar protagonista de um filme-catástrofe, finalmente vai entender o estranho paradoxo do tempo. O cronômetro indica agora 30 segundos para o impacto, mas eu posso conversar com você por mais cinco minutos, e lançar olhares apaixonados para sua mãe, que, diga-se de passagem, eu nunca deixei de amar, e, olha lá, no cronômetro passou só um segundo. É incrível. Bom, é isso, meu filho, fique com Deus, se cuide, coma vegetais, estude bastante, não use drogas, cuide da sua mãe, use camisinha (não com a sua mãe, moleque pervertido), e não invente de ser escritor como seu pai, que isso não dá dinheiro”.


Enquanto isso, o povo todo da arca observa emocionado, através das câmeras estrategicamente posicionadas. Quando você pensa que ele foi, ele volta, dá um beijo na testa do guri e diz “eu te amo”.
[MÚSICA DE SUSPENSE - EU ENXUGO AS LÁGRIMAS NA MANGA. SERÁ QUE NOSSO HERÓI VAI CONSEGUIR?]

Massss, claro, apesar de todas as recomendações, evidentemente, o maldito moleque teimoso vai atrás do pai, o que dá início a um outro diálogo desnecessário (“eu disse pra você não vir, blá blá blá”, "mas, pai, eu queria ajudar, blá blá blá whyskas sachê”). Depois de meia hora o mocinho finalmente consegue desenroscar o cabo, com a ajuda do filho (ufa, ainda bem que ele foi, né?). Na volta, por óbvio, ele fica desaparecido debaixo da água durante algum tempo, pra rolar aquela expectativa na galera “será que o mocinho morreu?”, mas eis que, quando todos já perdiam as esperanças, emerge nosso herói, aplaudido de pé, o salvador da humanidade. Parece que a essas alturas todo mundo já esqueceu que foi ele mesmo que, junto com sua turminha, deixou o cabo enroscado que impediu a porta de fechar e quase matou toda a galera.

Ainda há mais uma coisa importante a observar: os “escolhidos” para sobreviver foram os chefes de estado, alguns militares que comandavam a parada, um pessoalzinho que trabalhava pra casa branca e os felizardos que compraram a passagem por um bilhão de euros por cabeça. Na última hora, resolveram abrir as portas da esperança e deixar entrar o pessoal que se acotovelava do lado de fora. Essas pessoas eram, basicamente, os chinas operários que trabalharam na construção das arcas, e outros multibilionários que, embora tivessem pago a passagem, estavam sendo deixados pra trás porque uma arca estava meio detonada. Além dessa gente, também conseguiram se salvar uns animais, obras de arte, e as duas famílias que entraram clandestinamente.

Agora, raciocinemos. Primeiro que ninguém se preocupou em levar uns médicos, engenheiros, dentistas, químicos, ou seja, a classe média toda se estrepou lá fora, não sobrando ninguém com conhecimentos práticos pra tornar a vida suportável. Com exceção do escritor pobretão estadunidense e sua família e de uma galera de operários chineses, o que restou da humanidade foi um bando de políticos, militares de alta patente e gente podre de rica, sem o mínimo de consideração pelo próximo. Delícia de mundo novo, não? Sinceramente, acho que o pessoal que morreu frito na lava vulcânica levou a melhor.

Temos ainda outros clichês, como o presidente dos Estados Unidos, o homem mais poderoso da Terra, o abnegado chefe de uma nação que decide morrer junto com ela, ser negro (Danny Glover). O geólogo (Chiwetel Ejiofor) que possibilitou a salvação dos poucos felizardos, também é negro. E termina, claro, pegando a filha do presidente (Thandie Newton), que, aliás, foi responsável pela atuação mais desinteressante do filme. A onda do politicamente correto parece ter proibido selecionar atores negros para fazer papéis que não sejam de salvadores da humanidade. Deuzulivre ver num filme um cabra safado, um ladrão, um assassino que não tenha olhos azuis. Além de tudo, o único continente do mundo que não foi destruído, sendo, inclusive, elevado pelas forças da natureza foi – adivinha? – a África.

O gorducho insensível (Oliver Platt), que desperdiça uma passagem grátis porque não se incomoda nem em salvar a própria mãe esclerosada, claro, é branco. O gordo desgraçado que só pensa em si mesmo e nos filhos gordos medonhos, e usa as pessoas em seu benefício como bem entende, é russo. Nem tinha parado pra pensar, até agora, no preconceito hollywoodiano com os gordeenhos. O indiano (Jimi Mistry) que de fato descobriu que o planeta estava fervendo por dentro feito um forno micro-ondas, além de aparecer só umas 3 vezes, sem muito destaque, morreu na tragédia, com toda sua família. Não tem um único descendente de japa no filme. Ou seja, tudo muito igual.

Por fim, você não vê a hora que o filme chegue ao fim. O roteiro se arrasta, permeado de participações relâmpago de personagens que têm poucos minutos pra tentar se despedir dos parentes e fazer uma oração antes de ir pelos ares. Longas cenas retratam a politicagem por trás dos bastidores. Quanto aos tão anunciados e esperados efeitos visuais, algumas cenas são realmente incríveis e outras, totalmente decepcionantes. E aí o filme termina assim, com o espectador vislumbrando a criação de uma nova ordem mundial, fundada exclusivamente pela aristocracia do planeta e mais alguns felizardos certamente trabalhando para os primeiros.

Resumindo: Roland Emmerich, por gentileza, quero meus 158 minutos de volta.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Detestáveis eufemismos

Eufemismo é uma figura de linguagem usada para disfarçar uma ideia desagradável. Anunciar o falecimento de uma pessoa parece mais suave do que dizer que ela morreu. Acontece que a noção de desagradável é bastante subjetiva. Por isso, às vezes acontece de alguém eufemizar uma situação que eu diria exatamente como é, porque a mim ela não desagrada.

Assim, acredito que determinados eufemismos causam mais mal do que bem. Expressam mais preconceito do que o termo que pretendem disfarçar. Ou terminam por revelar justamente os sentimentos que o eufêmico gostaria de ocultar.

Um desses casos que me incomodam é ouvir alguém chamar uma pessoa negra de morena. Como se negro fosse xingamento. Como se fosse uma coisa feia, impronunciável. O cara é quase azul de tão preto, e alguém diz: sabe aquele rapaz moreninho? Consegue ser pior do que a construção político-sacalmente-correta afro-descendente. Coisa ridícula, em minha opinião, pois já se referiram a mim como branca (sem contar branquela, palmito, gasparzinho, transparente) e eu nunca pensei em mover uma ação judicial por racismo, porque deixaram de reconhecer a minha origem, chamando-me acertadamente de euro-asiático-descendente, considerando que meus avós maternos eram ucranianos e que meu pai é sírio (e partindo do pressuposto de que meus ancestrais não tenham se miscigenado loucamente no passado).

Além disso, cabe aqui um pequeno teste: você acha que o termo afro-descendente seria o que melhor define, por exemplo, a Daiane dos Santos? Saiba então que um estudo encomendado pela BBC Brasil traçou o perfil genético da atleta e descobriu que ela tem 40,8% de ancestralidade europeia, 39,7% africana e 19,6% ameríndia. Ou seja, também seria certo chamá-la de euro-descendente, ameríndio-descendente...

Pra complicar um pouco mais, é bom ter em mente que os países da África Setentrional têm predominância de povos caucasianos e semitas, ou seja, nem todo afro-descendente é negro.


O dicionário apresenta, dentre outras definições para as palavras preto e negro, a de indivíduo da raça negra. O IBGE considera preto e pardo como cores de pele, sendo que ambas fazem parte da raça negra (não a banda do língua presa, por favor). Sendo assim, por que razão algumas pessoas insistem em se referir a indivíduos pretos ou negros ou, que seja, afro-descendentes, como moreno, moreninho, escurinho, de cor (como se existisse gente incolor)? Por que essas pessoas consideram necessário clarear a cor de alguém? A razão é tão óbvia que inventar qualquer coisa para não reconhecê-la pelo próprio nome - preconceito - seria outro detestável eufemismo.

É evidente que o que define as pessoas não é a cor da pele. Ademais, a maior parte dos cientistas concorda que toda a humanidade descende de um mesmo tronco ancestral. Ou seja, não estou aqui querendo incitar a categorização de seres humanos. Só estou dizendo que, se for para identificar uma pessoa pela cor da pele (se não for possível pelo nome, que é bem melhor), que seja pela palavra certa, e não por um eufemismo racista. É uma forma mais velada de racismo, não desperta tanto asco quanto piadinhas ofensivas de gente grotesca, mas é preconceito sim.

Outra coisa que me revolta é a mania que algumas pessoas têm de dar  outros nomes para a profissão de empregada doméstica. Existe todo um tabu em dizer que dispensou a empregada mais cedo para ela ir ao médico. Ai, que horror, empregada. Poutz, como me irrita esse discurso!

Vamos recorrer, mais uma vez, ao dicionário. Segundo ele, empregado doméstico é aquele que recebe paga por serviços domésticos. A lei assegura direitos a esses trabalhadores (não necessariamente do sexo feminino, e que podem exercer outras atividades além de faxina e limpeza).

Mas sempre tem alguém embalado pelo espírito político-imbecilmente-correto que vai se referir à empregada como secretária. Paira no ar a dúvida: será que a intenção é promover a faxineira a um patamar que o empregador considera mais digno, com uma palavra mais gentil, ou será que esse empregador quer parecer mais importante dando a entender que tem uma secretária particular? Seja lá qual for a razão, o equívoco é evidente, já que secretária, de acordo com o dicionário, é a pessoa que exerce o secretariado em sociedades e corporações. Escreve correspondências e exerce outras atividades do gênero. Nada a ver com o serviço doméstico. Também a lei estabelece direitos diferentes para as secretárias, já que o trabalho é diferente, a forma de contratação é diferente, enfim, já deu pra entender.

É claro que, como sempre, dá pra ficar pior: conheço gente que se refere à empregada doméstica simplesmente como moça. Às vezes, para ser mais específica, a pessoa diz a-moça-que-trabalha-comigo ou a-moça-que-trabalha-lá-em-casa. Somente pelo contexto é possível identificar a quem a fala se refere. E em outras vezes, a frase sai ainda mais estapafúrdia, quando a pessoa economiza nos detalhes e lamenta: minha moça faltou de novo, a casa está uma bagunça. MINHA MOÇA? Cadê o certificado de compra? Vê aí se essa sua moça tá no prazo de validade. E se a sua moça se sentir injustiçada, será que ela deve procurar saber de seus direitos no Sindicato das Moças? Será que a lei estabelece piso salarial para a classe das moças?

Eu acho horrível. Não consigo ver problema em reconhecer alguém como empregada doméstica, que é uma profissão tão digna quanto qualquer outra. Não entendo como ofensa. Para mim, o eufemismo aqui é mais uma clara manifestação de preconceito. Bobagem. Chato mesmo é ser desempregada, e não empregada. ;)

Ps.: Adoraria ouvir a opinião de uma pessoa negra e também de uma empregada doméstica sobre o assunto. Vai que eu tô falando bobagem? Se ninguém se manifestar aqui, vou perguntar pessoalmente e depois conto no blog.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Enfim, SEXta.

No final da tarde de ontem, enquanto eu me matava para terminar a bendita contestação, chegou e-mail do chefinho: "Oksana, você já finalizou o agravo retido da Sbrubles1? Quando é o prazo?". Desconsiderando o fato de que eu nem sequer me lembrava que tinha esse agravo para fazer, verifiquei no sistema que o prazo é segunda e respondi: "Ainda não, entrego amanhã".

Não contente, ele responde: "Ok. Conseguiu falar com o Charles (assunto - Chinalá2)?". Desconsiderando o fato de que eu havia desistido de tentar falar com tal pessonha desagradável, rapidamente telefonei e recebi mais uma desculpa esfarrapada da secretária, e respondi: "Não consegui. Liguei hoje e disseram que ele não estava e que é pra ligar amanhã".

E assim eu fico pensando cá com minhas teclas (que pensar com botões é tão last week) que talvez o chefinho tenha algum trauma de infância ou qualquer tipo de desvio psicológico que faz com que ele seja uma dessas pessoas que nunca estão satisfeitas com nada! Nossa, essa frase sem nenhuma vírgula exige um super fôlego pra ler em voz alta (fumantes, não tentem)!

Então, estamos aqui, em mais uma bela SEXta-feira de sol, calor, céu azul, crateras espalhadas pela cidade abertas pelo temporal de ontem à noite... Por falar em ontem à noite, claro que eu e meu amado namorido estivemos em nossa casita, fazendo todo um trabalho braçal. Demos a primeira demão de tinta no quarto 1 (é o de casal, mas acho divertido chamar os quartos pelos números), a terceira e última no teto do corredor, a segunda e última na parede da sala que vai receber a textura, e colocamos massa corrida nos vãos dos caixilhos das portas. Saímos de lá meia noite e meia. Aí até chegar em casa, tomar banho-dormir (nem tive forças para comer), já viu, né?

Além de tudo, tivemos que desviar um trecho da rua que estava alagado, onde alguns carros anfíbios se encontravam cobertos de água até acima das calotas. Então precisamos passar por cima do canteiro central e seguir pela faixa exclusiva para os ônibus. A Flecha Prateada3 não teve dificuldades, mas um pobre caminhão atolou e ficou por ali mesmo.

Esse negócio de comprar imóvel é um grande aprendizado, sabe? Se um dia formos comprar outra casa (e não construir, como pretendemos), certamente estaremos atentos a detalhes que nunca percebemos antes, como, por exemplo, se a casa foi construída sobre um antigo cemitério indígena o rejunte dos azulejos foi bem feito, se os caixilhos das portas foram bem colocados, se o teto foi bem pintado, se a água no box escorre para o ralo ou para o lado oposto, se a obra foi feita por seres humanos ou por ornintorrincos estrábicos, essas coisas.

O papo está ótimo, mas preciso começar finalizar o agravo retido antes que o chefinho apareça com mais 18 mil tarefas. Tenho também que enviar conteúdo para o blog Voluntários em Ação, do qual sou colaboradora (não escrevo, só envio notícias coletadas na internê). E ainda fazer as lembrancinhas para meu pequeno chá de panela. Além, é claro, de dar um jeito de extrair a massa corrida debaixo das minhas zunhas, e fazer aquele esforço sobre-humano para manter as pálpebras abertas.

Torçam por minha sobrevivência.

Notas:
1) O nome da cliente foi alterado para proteger sua identidade e eu não ser demitida
2) O nome da cliente foi alterado para proteger sua identidade e eu não ser demitida.
3) Celta do namorido.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Dois palitos

Sempre que meu chefinho me passa mais algum selviço e eu faço aquela cara de oh, man, ele se sai com essa: "isso aí você faz em dois palitos". Bem que eu queria saber (e aposto que nem ele sabe) a origem de tal expressão, mas o fato é que hoje estou mesmo é precisando de dois palitos para manter os zolhinhos abertos. Zentsi, que soninho!

Ocorre que eu e meu namorido compramos uma casa. Uma casinha linda, de três quartos, com quintal, árvore, todo um sonho. Aí aquele pequeno projeto humilde foi tomando proporções inimagináveis, tcheepo assim, ahm, já que a casa é NOSSA, não uma coisa assim toda alugada, vamos investir, néam? E aí é investimento que não se acaba mais.

Primeiro foi a cozinha e o closet planejados. Escolhidos depois de nada menos que 15 projetos e respectivos orçamentos. Sim, eu disse QUINZE ORÇAMENTOS. Se você já foi alguma vez a uma loja de móveis planejados e assistiu todo faceiro ao processo de confecção do projeto - arrasta pra lá, puxa pra cá, estica aqui, encolhe acolá - no programinha de computador (Promob), você não imagina a gastura que é ver esse negócio acontecer pela quadrigésima milésima nona vez. Dá uma vontade de chacoalhar o cerumano ali e ver se ele acelera a bagaça porque já é a oitava manhã de sábado que você deixa de dormir pra ficar vendo a cozinha virtual acontecer.

Mas eu nem imaginava que aquilo era só o começo. Depois veio a reforma. Sim, porque a casa é nova, mas o construtor parece ter contratado a mão de obra de chimpanzés cegos e mancos. Assim, embora o porcelanato usado no chão seja bonito, não dava pra gente se conformar com aquele rejunte da grossura de um tornozelo, e com o piso todo desnivelado. Simplesmente não ia combinar com a beleza dos móveis planejados. Sentiu a armadilha?

Uma coisa levou à outra, e de repente estávamos decididos a colocar piso laminado e uma cerâmica nova na cozinha. Para isso, nosso pedreiro arrancou os rodapés de porcelanato, que serão substituídos pelos de madeira. Com essa manobra inteligente, obrigamo-nos a repintar a casa toda por dentro - note que a pintura era novinha da silva, mas arrancar os rodapés obviamente deixou a parte inferior das nossas paredes parecendo cafofo de miss laje.

Não vou nem tocar em outros detalhes como a área de serviço que cobrimos, o piso da garagem que era de brita e hoje está cimentado, e tantas outras coisas que às vezes nos fazem cogitar se nosso pedreiro vai acabar morando lá e a gente não. Importante agora é o quesito pintura.

Todo mundo que já montou casa e/ou fez uma reforma sabe que qualquer servicinho que você pede custa um rim ou órgão de maior importância vital. Como arranjar um profissional que preste é coisa da maior dificuldade, a gente até paga com a consciência leve o nosso pedreiro, o Cliverson (queria o quê? um Pedro de Alcântara Machado?), porque o cara é firmeza mesmo. De absoluta confiança, faz um trabalho caprichado, preciso, e ainda limpa tudo antes de ir embora. Difícil acreditar, né? Um pedreiro limpinho. Pois ele passa esponja úmida pra tirar resíduos de rejunte, argamassa, cimento ou uaréver, varre o pó, enfim, o cara é dez. E o preço que ele cobra é o  mesmo praticado por aí, fizemos outros orçamentos também. E olha como eu consegui fugir do assunto de novo.

Bom, desde que percebemos que a pintura seria necessária, eu quis encarar a tarefa e economizar uns tostões. Mas o Dé achava que seria muito complicado e talz, e a minha sogra ficava o tempo todo botando uma pilha que não valia a pena a gente cansar tanto, que era melhor pagar pra alguém fazer, que coitadinhas das crianças (eu e ele). Mesmo assim, o Dé concordou comigo e começamos o trabalho.

Como a parede em que ficará o closet é uma parede externa e num quarto que não bate tanto sol, resolvemos aplicar um impermeabilizante nesse quarto, batizado de quarto 2. Como o quarto 3 fica do mesmo lado da casa e um dia será o quarto do bebê, resolvemos impermeabilizá-lo também. E, claro, já que estávamos com a mão no vedapren parede mesmo, já garantimos a brancura eterna do teto do banheiro. Xô, mofo! Fora, bolor! Mofo e bolor não são duas palavras horrorosas? Fronha também, né? Ops, foco no assunto, Oksana, foco.

Ao final desse sábado fatídico, tínhamos dado somente a primeira das três demãos necessárias do impermeabilizante, que vem antes da tinta (pelo menos duas demãos). E já não conseguíamos erguer os braços acima da cabeça e a cada passo parecia que o fêmur ia se descolar da bacia [EXAGERO MODE: ON]. O Dé tentava não parecer muito pessimista, mas eventualmente deixava escapar um "será que vamos conseguir?", "será que vamos sobreviver?". Okey, okey, acabei me rendendo.

No domingo, então, liguei para um pintor indicado por uma amiga da minha mãe, que se disse impressionada com o capricho e com o preço baixo que ele cobrou. Lá foi o Junior fazer orçamento para nozes. O cara tem quase dois metros de altura, imagino que deve ser uma vantagem no serviço, nem precisa de escada ou do cabo extensor para o rolo de pintura. Dá pra pintar o teto sem esticar o braço. Expliquei pra ele o serviço, que já compramos a tinta e todo o material necessário.

Ele passeou pela casa, sentiu a textura da parede nas mãos calejadas. Disse que pintura nova é uma beleza, que não precisa lixar nada nem usar massa corrida, que está acostumado a pintar cada parede que é só buraco, uma tristeza. A nossa expectativa por um preço muito baixo era crescente. Concluiu dizendo que terminaria o serviço em cerca de cinco dias. E queria R$ 400,00, que poderíamos pagar em duas vezes: uma no 2º dia de pintura e outra no 5º, quando ele terminasse. Sim, porque meu salário eu também recebo uma vez a cada 3 dias. Você não?

Eu e o Dé ficamos naquela de um tentar decifrar o que o outro estava pensando, mas a telepatia estava desligada ou fora da área de serviço. Eu disse ao Junior Gigante que iríamos pensar e, se fosse o caso, voltaríamos a telefonar pra ele.

Enfim, sós, o Dé me confessou que estava se sentindo mais Michelangelo do que nunca, super a fim de jogar umas tintas naquelas paredes. E o Gigante que vá tapar buraco de algum teto horroroso por aí. É que R$ 400,00 são uma verdadeira fortuna pra quem ainda precisa colocar cortinas, mobiliar o resto da casa, comprar utensílios, eletros, terminar de pagar o pedreiro, além das astronômicas faturas de cartão de crédito em que parcelamos o máximo possível as compras de material de construção, isso tudo sem contar, é claro, o financiamento dos móveis planejados e da própria casa. Se sobrar algum, é capaz até de a gente se alimentar. E quem sabe um dia eu possa voltar a ir ao salão fazer minhas unhas (dinheiro jogado fora agora que elas estão todas destruídas e encardidas de impermeabilizante).

Todo esse relato emocionante foi só pra ver se ganho uma casa prontinha e mobiliada no Construindo um Sonho do Gugu explicar a razão de eu estar parecendo um zumbi sorumbático me arrastando pelo escritório a cada 15 minutos em busca de mais 250ml de café. É porque todos os dias eu e o Dé estamos saindo do trabalho e indo direto para o nosso 3º turno, quando colocamos roupinhas surradas e encarnamos os pintores felizes daquele que será em breve nosso lar, doce lar. Aí a gente fica até onze da noite pintando (coisa que quase não cansa o corpinho véio), depois vai pra casa tomar banho-comer-dormir e acorda 6h da manhã pra trabalhar.

Não, não vestimos macacões jeans (péssimo), não pintamos a cara um do outro e terminamos nos amando em meio às tintas. A coisa não é hollywoodiana assim. É certo que brotam inesperadas declarações de amor entre uma pincelada e outra. Acho que é pela felicidade de ver a parceria ilimitada, um amor que resiste às intempéries, que encara o que poderia ser visto como dificuldade apenas como mais um passo do caminho. Sem perder a ternura e o bom humor.

Ai, Senhor, agora dai-me forças pra fazer essa contestação, pra depois voltar aos pincéis e rolos de pintura. Forças e dois palitos, por favor!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

G-zus, quequé ilson?

Não sei qual pode ser a causa dos sintomas, mas estou disposta a fazer um coquetel de neosa, anti-histamínico, maracugina, AAS infantil, atroveran, mentos e coca light pra ver se passa.

Talvez seja a TPM ou algo estranho que eu comi. Sei lá, mas parece que alguma coisa aqui dentro fez soar o gongo do instinto maternal. Hoje, na hora do almoço, a coisa foi crítica. Passando em frente à banca de revistas, li rapidamente na capa de uma revista de fofocas a manchete: "Thiago Lacerda e Vanessa Lóes serão pais de uma menina". Okey, sô uat? Pobrema, minha gente, foi que meus zolhos encheram-se de água instantaneamente e eu segui meu rumo querendo crer que tivesse sido um cisco.

Uótafok, man!

Mas aí que navegando por uns blogs bons e lendo textos antigos (ai, meu chefe me mata),  li no maravilhoso (e infelizmente encerrado) Garotas que Dizem Ni esse trecho de um dos textos de despedida:

"E a Flá conheceu (e não só isso) uma criaturinha muito fofa e amada, no meio de toda essa história. Primeiro, pelo teste positivo. Depois, pelo ultrassom. Até que, na tarde do dia 30 de janeiro de 2005, Vivi e eu conhecemos em pessoa aquela coisinha de touca, pelo vidro do hospital. E o nascimento da Sassá tem sido uma alegria para todos nós."

Vou ter que confessar que a simples menção ao teste positivo já me deu de novo aquele nó na garganta e os olhos marejaram, toda uma emoção, sabe?

E toda vez que eu e o Dé, por alguma razão, começamos a divagar acerca de nossos futuros filhotes, imaginando o quanto os avós vão babar na criança (eca), e o Dé torce por uma menininha com meu senso de humor (perdoa, ó Pai, pois ele não sabe o que pede), e eu termino sonhando à noite que estou embalando uma coisinha fofa em meus braços, claro que me desperta todo um siricotico maternal.

Bom, enquanto essa aflição não passa, fico aqui entoando o mantra é-fofinho-mas-faz-cocô e tentando me convencer de que fraldas descartáveis, roupinhas, produtos de higiene, móveis para o quarto, plano de saúde e todos os demais apetrechos necessários para uma infância saudável custam tão caro que eu teria que vender o corpo pra pagar, e de filho da puta o mundo já tá cheio.


Pronto, falei.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Menina moça

Já estava prontinha pra sair para o trabalho. Ao colocar o celular na bolsa, ele começou a tocar. Número estranho, prefixo 81. Atendi e uma voz feminina pronunciou umas palavras que não entendi.

- Como? - perguntei.

Ela repetiu e lá pela 4ª vez compreendi a frase, apesar da voz de sono e do sotaque tão diferente do meu:

- É de residência de Ivan?

- Não, senhora.

- Ah, então você me desculpe, é que aqui na lista telefônica esse número tá como de Ivan, instrutor de natação, ali do lado do clube tal, e eu pensei que fosse a esposa de Ivan.

- Não, senhora, esse número é um celular de Curitiba.

- Então você saiba que mora numa cidade muito linda, viu? Já passei por aí uma vez. E eu falo aqui de Pernambuco. Você já ouviu falar de uma cidadezinha pernambucana que tem a maior festa de São João do mundo, chamada Caruaru? Pois é aqui que eu vivo, numa cidade pequena porém muito linda, viu? E eu preciso é falar com Ivan, que é instrutor de natação da terceira idade, sabe? Porque eu tenho 74 anos, mas não parece, não, viu? O povo me pergunta se eu tenho 64, eu digo "que isso? Tenho 58 só de casada", viu? Em todo caso eu agora só digo que sou menina moça. Então você me desculpe, viu?

- Imagina, não tem problema, não! Um bom dia pra senhora, tá?

- E pra você também, viu?

E foi assim que uma menina moça pernambucana de 74 anos me fez sair de casa já achando graça da vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A not so desperate housewife



Entre as minhas amigas o tema ainda é tabu. Se alguma resolve trazer o assunto à tona, rapidamente é marginalizada pelas demais ou sofre ameaças: “se nossas conversas de agora em diante forem sobre esse tipo de coisa, eu não apareço mais”.

Eu sofro. Preciso manter oculta essa minha paixão. Temo não ser compreendida e até ser rejeitada pelas pessoas que amo. Mas, enfim, preciso confessar: estou extremamente ansiosa e excitada com o fato de que, em breve, serei... Uma dona de casa! Calma, gente, não estou falando de abandonar o trabalho remunerado, colocar todas as contas nas mãos do namorido, começar a preencher formulários como “do lar” e passar os dias exclusivamente cozinhando, limpando, lavando, passando, costurando e confeitando.

Falo, sim, de um resgate de algumas coisas boas do passado que foram execradas pelo espírito feminista. Em defesa da igualdade de direitos e da proteção da mulher, foram feitas campanhas e passeatas, queimados sutiãs e impostos novos padrões de comportamento.

As mulheres saíram de casa, passaram a competir no mercado de trabalho e dedicar cada vez menos tempo às tarefas domésticas – processo que foi bastante facilitado pela invenção de abençoados eletrodomésticos. Até mesmo a moda ditava um novo jeito de ser, masculinizando as formas femininas com blazers, calças compridas, cortes retos, ombreiras gigantescas, coletes e até gravatas, com a intenção de diminuir as diferenças entre os gêneros e dar mais credibilidade às mulheres no ambiente profissional.

Todo esse processo foi necessário e, graças a ele, eu e a maior parte das mulheres da minha idade não tivemos que sofrer discriminações que muitas de nossas mães enfrentaram. Minha mãe conta o quanto era comum, e pior, até considerado normal os chefes darem em cima das funcionárias, e que era preciso muita habilidade para se livrar das investidas e ainda conquistar espaço e o respeito dos superiores – e mesmo dos colegas.

Evidente que ainda existem homens porcos ocupando cargos de chefia, mas hoje esse tipo de conduta não é mais aceita pela sociedade e as vítimas de comportamentos abusivos têm como se defender. Conquistas como essa se devem àquelas mulheres corajosas que vestiram calças e foram à luta. É certo que muitas mulheres no mundo todo ainda enfrentam condições de vida inaceitáveis e que há muito trabalho a ser feito para assegurar a proteção de seus direitos, mas é admirável o caminho que já percorremos.

Hoje podemos usar saias sem sermos vistas como seres frágeis, indefesos e menos capazes. Chegamos a um momento em que é possível um resgate da feminilidade. Não precisamos necessariamente ser agressivas para garantir nosso lugar. Podemos fazer uso de nossa sensibilidade, do nosso senso estético, da nossa capacidade de expressão e até mesmo – por que não? – da nossa intuição.

A grande vantagem de não precisar empenhar todos os esforços em provar alguma coisa é uma vida mais leve e divertida, é a coragem de gostar (e admitir que gosta) de coisas não tão sérias, profundas, profissionais, corporativas ou filosóficas. A gente se permite apreciar pequenos prazeres da vida que tornam bem mais fácil encarar os desafios do dia a dia.

Para minha sorte, não estou sozinha. A cada dia descubro mais mulheres inteligentes, batalhadoras e bem sucedidas que adoram coisas malucas como arrumar a casa e cozinhar. E antes de continuar, cabe aqui uma ressalva: não acho, de jeito nenhum, que essas coisas sejam atribuições ou mesmo prazeres exclusivamente femininos. A questão é que já faz muito tempo que “um homem que sabe cozinhar” se tornou uma coisa linda de se ver, objeto de desejo, motivo de aplausos e elogios. Enquanto entre as mulheres parece ser feio admitir que sabe fazer qualquer coisa mais complexa – e saborosa – do que um macarrão instantâneo.

Para mim, é uma verdadeira arte saber transformar a casa num lugar delicioso para voltar após um dia de trabalho árduo. Conhecer segredinhos modernos ou do tempo da vovó para deixar tudo arrumadinho, limpinho e cheiroso. Saber preparar uma refeição que seja mais do que um simples alimento, mas um motivo de alegria.

Na minha família sempre convivi com pessoas que demonstram afeto através da comida. Experimente sair da casa de uma das minhas tias sem comer (e muito): ofensa imperdoável. Em casa, ao chegar varada de fome, muitas vezes abri a geladeira e conclui: “putz, não tem nada”. E minha mãe vai lá e transforma o “nada” em uma deliciosa refeição preparada em questão de minutos. Saladas, omeletes, risotos, tortas salgadas e muitas outras delícias. Com ela aprendi que criatividade é o melhor tempero.

Tenho ainda muitas outras musas inspiradoras, que apresento com muita honra:

A Chris, autora do site/blog/livro “Casa da Chris”, é jornalista, tem uma estranha obsessão por eletrodomésticos, adora ponto cruz e dá dicas maravilhosas para casa, além de traduzir perfeitamente os dilemas enfrentados quando mulheres modernas resolvem assumir seu lado Martha Stewart. Eu tenho o livro e adoro, além de ser frequentadora do site há anos. O seu Almanaque das Festas Instantâneas também está na mira pra fazer parte da minha coleção.

A Mari Mari, do Brincando de Casinha, também é jornalista, além de criadora desse blog maravilhoso, que trata de uma forma extremamente divertida, leve e bem-humorada de questões da casa: decoração, obras, reformas, enfim, várias dicas sensacionais. Eu me identifico tanto com a forma como ela escreve que, embora ela não saiba que eu existo, pra mim parece uma amiga. A dupla de posts “Os piores erros da minha reforma – parte 1 e parte 2 salvaram minha vida. Desde então, “Mari Mari adverte...” virou jargão entre mim e o Dé (pequeno parêntese de mulher apaixonada: acho tão lindinho que o Dé presta atenção nas coisas que eu gosto e que eu falo e até lê os blogs que eu indico... ai ai... Pronto, passou).

A Faby, a Katita, a Clau e a Grasiele são as Rainhas do Lar. As duas primeiras são responsáveis pela minha parte favorita: as receitas deliciosas, escritas de um jeito que parece uma amiga explicando pelo telefone. A Clau dá dicas de harmonizações de vinhos e pratos, e a Grasiele ensina tudo sobre jardim, flores, plantinhas mil. Sempre me perco no índice de receitas do site, que ainda dá dicas fofas de acessórios e coisinhas especiais pra cuidar do reino, digo, do lar. Tem explicações fantásticas desde como escolher os alimentos no mercado e outros segredinhos que você não encontra nos livros de culinária comuns. Vale a pena também ler os comentários aos posts, sempre acabam rendendo alguma dica extra, uma sugestão de uma leitora, recomendações de quem errou ou acertou no preparo, ou uma pergunta de outra perdida igual você, cuja resposta dada pela Rainha esclarece algum termo estranho de que você nunca tinha ouvido falar (tipo "clarificar a manteiga"). Ah, as Rainhas também têm um livro, o Pequeno Livro de Cozinha: Guia para Toda Hora, que eu não li ainda, mas certamente será uma das minhas próximas aquisições. Detalhe: o Dé também lê o Rainhas (já executamos juntos algumas receitas), comenta com amigos do trabalho as coisas que aprende no site e não liga para as piadinhas.

Donna Smallin é a autora de um livro cujo título não vai fazer você parecer a mais culta nem a mais descolada da galera, mas pode mudar a sua vida: “Casa limpa e arrumada – organize-se para cuidar da limpeza sem deixar de viver”. Sério mesmo: é o máximo! Isso sim que é auto-ajuda, o resto é bobagem! Donna dá orientações sobre como limpar cada cômodo da casa, como se organizar, tem dicas para pessoas alérgicas, para quem tem animais de estimação, para quem tem crianças, ensina a preparar seus próprios produtos de limpeza (mais econômicos e menos agressivos ao meio-ambiente) e muito mais. O melhor de tudo, em minha opinião, é mostrar que é possível ter uma casa limpa, arrumada, gostosa de morar, sem com isso ter que abrir mão de todas as outras coisas boas da vida! Eu super recomendo!

A mestra Martha Stewart é apresentadora de televisão e empresária americana, considerada autoridade em assuntos referentes a casa, decoração, culinária e artesanato. Faz qualquer mulher normal se sentir uma absoluta incompetente por deixar suas plantinhas morrerem ressecadas (ou afogadas), por não preparar um banquete ao chegar do trabalho antes de passar roupas e organizá-las no armário por ordem de cores em degradê em cabides que você mesma fez, por não viver num reino encantado cheirando a lavanda e terminar a noite fazendo artesanato para decorar a casa. É tipo uma Bree Van De Kamp da vida real. Mas vale a pena aproveitar as dicas, sem sucumbir a muitas neuras.

Bem, essas são algumas das minhas fontes de inspiração, além das revistas de arquitetura e decoração (outra tara que eu tenho). Se nenhuma delas fizer o seu estilo, não tem problema. Você pode buscar o seu próprio jeito de cuidar do seu cantinho. O importante é deixar livre a dona (ou o dono) de casa que existe dentro do seu ser! Afinal, existe no mínimo uma pessoa amada na sua casa que merece esse carinho: você!

Beijinhos

Ps.: juro que não ganhei nadica de nada pra fazer propaganda das divas acima, ok?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Empatia

A palavra empatia deriva do termo grego “empátheia”, que significa “entrar no sentimento”. Segundo a psicanálise, empatia é o estado de espírito em que uma pessoa se identifica com outra, presumindo sentir o que esta está sentindo. À primeira vista, empatia pode parecer uma característica desenvolvida somente por algumas pessoas, muito provavelmente psicoterapeutas. Ou, ainda, que é um dom inato.


Para mim, é simplesmente um exercício que exige aprimoramento constante. Um mecanismo pouco explorado que muito pode auxiliar a compreender situações diversas daquela em que vivemos.

Que tal experimentar através de um pequeno exercício de imaginação?

Imagine então que você é uma menina que acaba de nascer. O ano é 1880. O lugar é a cidade de Tuscumbia, no Alabama, EUA. Para ajudar você a se ambientar, pense que Thomas Edson há pouco tempo inventou o primeiro modelo viável de lâmpada elétrica. Ou seja, ainda vai levar um tempinho para a novidade chegar a todas as residências. O avanço da industrialização é a principal marca do século, o que não impede que a maior parte da população ocidental continue vivendo da agricultura. Coisas básicas como a geladeira doméstica, a televisão e até mesmo o rádio ainda não foram inventadas.

Sua mãe se dedica com empenho ao papel reservado às mulheres de seu tempo: mãe e esposa, guardiã da moralidade, senhora de um lar que é um refúgio de paz e tranqüilidade. Seu pai é um cidadão influente, editor do jornal da cidade.

Aos dezoito meses de idade, você fica doente. Os médicos diagnosticam uma “febre cerebral”. Se fosse 2009, qualquer médico de postinho perceberia que é uma simples escarlatina, facilmente curada com penicilina ou outros antibióticos. O problema é estamos no fim do século XIX, e a penicilina só será descoberta daqui a quase quarenta anos. Que azar, hein?

A infecção deixa graves sequelas: você ainda é um bebê quando perde completamente a visão e a audição. Assim, durante os primeiros anos da sua vida, você vive isolada num mundo de silêncio, escuridão e solidão.

Limitada ao sentido do tato, você conhece muito poucas coisas. As pessoas à sua volta não sabem como se comunicar com você.

Agora você tem seis anos de idade, e uma nova pessoa adentra seu pequeno e restrito universo: a professora Anne Sullivan, da Escola Perkins para Cegos. Seu pai a contratou para cuidar de você, por indicação de Alexander Graham Bell, que ficou famoso ao introduzir o sistema de linguagem gestual criado por seu pai, Sr. Alexander Melville Bell, numa grande escola para surdos.

Com as pontas dos dedos, você conhece o rosto dessa moça de 21 anos, que passa a viver com você. Sua nova amiga ficou cega quando criança, e recuperou a visão aos 15 anos de idade, após sucessivas cirurgias. Por isso, ela deve entender um pouco da sua solidão. Mas você não sabe disso ainda.

Anne aceita o desafio de tentar ensinar você a se comunicar, e começa ensinando as letras do alfabeto manual. Você logo aprende a repetir os movimentos, mas não entende a relação entre palavras e objetos. Como perdeu os sentidos muito cedo, você não tinha ainda desenvolvido a capacidade de compreender que palavras significam coisas.

Um dia, no quintal, bombeando água do poço, Anne mergulha sua mão na água fria e, lentamente, soletra a palavra em sua outra mão. Repete o gesto, agora mais rápido. Subitamente, os sinais atingem sua consciência, agora com um significado. Você compreende que aquela seqüência de gestos representa o líquido que sente escorrer entre os dedos. Você toca a terra e a professora soletra a palavra correspondente em sua mão. Ainda hoje, você vai aprender mais de trinta palavras, relacionando objetos a suas representações gestuais. Parabéns! Eu não me lembro quando foi a última vez que aprendi mais de trinta coisas diferentes num único dia.

A partir daí, você aprende rapidamente os alfabetos braille e manual, conseguindo, finalmente, comunicar-se com o mundo, adquirir conhecimento, transmitir sentimentos. Aos dez anos, você faz um pedido a sua professora: quer aprender a falar.

Devo confessar que, para mim, isso parece um desafio quase insuperável. Como reproduzir sons que você não é capaz de ouvir, através de movimentos que você não pode ver? Mas você nunca ouviu ninguém dizer que é impossível, e é provável que esse seja o segredo do seu sucesso.

Caro leitor, nas linhas acima você teve a chance de tentar se imaginar no lugar de Hellen Keller. Claro que o exercício foi superficial. É muito provável que a plenitude dos seus sentidos o impeça de compreender como seria a vida se eles não existissem.

Pensando desse jeito, é possível concluir que eu e você, que enxergamos e ouvimos perfeitamente, temos uma compreensão limitada do mundo.

Hellen Keller, por sua vez, não aceitou os limites que a natureza lhe impôs. Conduzida por Anne Sullivan, Hellen teve aulas com Sarah Fuller, Diretora da Escola de Surdos Horace Mann.

“Os poucos sons que eu então produzia eram ruídos inexpressivos, quase sempre roucos, pelo esforço que empregava para obtê-los. Pondo minha mão em seu rosto, para que eu sentisse a vibração de sua voz, Miss Fuller ia repetindo vagarosamente e muito claro, o som ‘ahm’, enquanto Miss Sullivan soletrava a palavra ‘ahm’ na minha mão. Eu ia imitando como podia, conseguindo, ao fim de algum tempo, articular o som a contento da mestra. Ao final de minha décima primeira lição, fiz uma surpresa para Annie. Puxei-a pelo braço, coloquei a posição da língua e disse claramente: ‘EU NÃO SOU MAIS MUDA’” (Hellen Keller).

Nos anos que seguiram, Hellen aprimorou não somente sua capacidade de ler, escrever e falar, mas também se destacou no estudo das disciplinas do currículo regular. Não satisfeita, graduou-se bacharel em Filosofia pela Universidade Radcliffe, sempre orientada e assistida por Anne, que continuou com a aluna e amiga durante toda sua vida. Estudou alemão, francês e latim. Escreveu uma série de livros, recebeu diversos prêmios, visitou vários países, conheceu presidentes e personalidades importantes do mundo todo. Está se sentindo um pouco estúpido? É, eu também.

Para nos auxiliar no exercício da empatia, sugiro a leitura de um texto de Hellen, em que ela faz o caminho inverso: imagina o que faria se pudesse ver por apenas três dias. É a pecinha que faltava para eu terminar de me arrepender por todas as vezes que reclamei à toa na vida.

A vida de Hellen Keller me inspira. Para mim, é mais do que a história de alguém que superou dificuldades e realizou feitos que ninguém poderia esperar. É um alerta para que a gente aprenda a distinguir deficiências de simples diferenças. Pra que a gente lembre que não há limitação que não possa ser superada com um tanto de esforço e criatividade. Pra que a gente entenda que as imperfeições não são mais do que características que tornam cada ser humano único. E que um mundo feito de seres idênticos seria totalmente sem graça.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

inspire-se

não é só para compor uma canção ou escrever um texto que a inspiração parece vital. é também para fazer algo diferente no próximo final de semana. ler um livro em vez de assistir à novela essa noite. visitar um lugar inédito. conversar com um desconhecido. desejar bom dia no elevador. manter o bom humor nos dias cinzentos. experimentar uma comida de que nunca tinha ouvido falar. telefonar para a tia. suportar um trabalho difícil. estudar. buscar alternativas para a falta de grana. fazer uma coisa que nunca fez antes. aprender outra língua. descobrir o que é html. ouvir um estilo de música a que não se está habituado. entender como uma coisa funciona. ir ao médico ou ao dentista pra dar fim àquela dorzinha que incomoda há tanto tempo. escolher a roupa pra ir trabalhar. praticar um exercício. corrigir velhos vícios. abraçar uma causa. adotar hábitos saudáveis. começar um blog novo.

a inspiração é cheia de caprichos, só aparece quando quer. a uns, visita com frequência. outros parecem nunca tê-la conhecido. e ela anda sempre flertando com o interesse. por isso é tão difícil a bendita surgir quando somos obrigados a encarar uma tarefa que não nos interessa.

eu passei um tempo pensando que a inspiração havia me abandonado de vez. não me ocorria a forma como eu a teria ofendido, mas a separação soava definitiva. até que despertei.

percebi que ela me rondava o tempo todo, sem conseguir tocar meu rosto com seus longos cílios. por algum motivo eu havia me convencido de que o espaço que me cabia era diminuto e de que eu deveria empenhar meus esforços no objetivo único de me adaptar.

a capacidade de adaptação é imprescindível: graças a ela o ser humano domina o planeta e os dinossauros não passam de fósseis. mas não devemos permitir que nada tolha nosso potencial. e não há no mundo alguém mais capacitado a impedir uma pessoa de alcançar o seu máximo do que ela mesma.

então eu me desprendi dos grilhões que me separavam da realização dos meus sonhos. porque, veja bem, eu não sou simplesmente o conjunto das características e definições que me são atribuídas. mulher, filha, amiga, advogada, companheira, namorada, esposa, irmã, sobrinha, empregada, colega, madrinha, conhecida, magra, branca, divertida, pisciana. um aglomerado de termos não pode me impor limites.

frases como "é tarde demais", "é muito difícil" e, principalmente, "você não vai conseguir" não fazem o menor sentido. sejam elas ditas por mim mesma ou por qualquer outro ser vivente.

hellen keller disse que jamais se deve consentir em rastejar quando se sente um impulso de voar. voemos!

se você não sabe quem é hellen keller, não se preocupe. o próximo post será sobre ela.

seja bem-vindo!