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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Força do hábito

A virtude humana é fraca, por isso o preço de resistir a tentações é a vigília constante. A vontade humana é igualmente débil - vide resoluções de ano novo abandonadas antes do carnaval. A constituição física do ser humano também é frágil: mesmo o corpo do mais rijo dos atletas perece em algumas décadas. Entretanto, uma força extraordinária reside em algo tipicamente humano: o hábito. 

Muitos hábitos nos acompanham desde a infância. Aprendemos logo cedo a erguer a voz quando queremos impor nossa vontade, quando disputamos pela primeira vez o balde de areia com um amiguinho no parque. Aprendemos a colocar a culpa no outro, quando perguntaram quem quebrou o vaso e dissemos que foi o gato. Por outro lado, se tomamos banho diariamente, escovamos os dentes após as refeições, dizemos "por favor", "obrigado" e "com licença", respeitamos os mais velhos, é porque nossos pais, avós e professores se dedicaram à árdua missão de nos ensinar boas maneiras, incutir-nos noções de higiene e educação.

Daí já se nota que a principal diferença entre os bons e os maus hábitos não é a consequência deles, mas sim o modo como nascem. Os maus, por mero descuido e desatenção. Os bons, com muito empenho e constância.

Conforme amadurecemos, a rotina do trabalho, dos estudos, da casa e dos relacionamentos agrega uma série de hábitos à nossa personalidade. E com a prática, os hábitos adquirem uma força indiscutível. Por força do hábito, você acorda cedo sem despertador no domingo, mesmo que seja só para se virar e babar do outro lado do travesseiro. Por força do hábito, você disca o zero antes de fazer uma ligação - do telefone de casa.

Quanto mais o tempo passa, mais fortes os hábitos ficam. Ganham o status de manias. Os muito ruins, de vícios. E nós, seres humanos, com nossas fraquezas de corpo, virtude e vontade, temos cada vez menos condições de lutar contra eles. Corrigir um mau hábito na infância é fácil, mas tente convencer um idoso a fazer algo diferente da forma que tem feito há décadas (como minha ex-vizinha, D. Aurora, que todas as manhãs esvaziava seu velho penico nas plantas do jardim).

Diante disso, adiar transformações necessárias para um futuro de debilidade física e, quiçá, mental, é perder a batalha de antemão. Não adianta ficar esperando que sejamos um dia mais fortes do que somos hoje. Hábitos fortalecidos ao longo de uma vida inteira inevitavelmente se tornarão invencíveis.  A solução ideal seria não criar o monstro. Mas ela esbarra, é claro, nas nossas fraquezas. E então surge uma ideia brilhante: se devo ceder à força de meus hábitos, o melhor a fazer é empenhar meus esforços na implementação de bons hábitos, para que sejam estes os incorrigíveis no futuro.

Quando se fala em bons hábitos, todo mundo pensa em exercícios físicos diários, alimentação saudável, dormir bem. Mas e se formos além? E se ousarmos pensar em hábitos que não fazem bem somente à saúde, mas nos fazem felizes?

Todas as manhãs, logo depois que levantamos, eu e meu marido nos abraçamos forte e desejamos bom dia um ao outro. Nosso abraço matinal é imprescindível para começar bem o dia. Talvez muito mais importante que um café da manhã bem servido.

Queixar-se do trabalho, reclamar do governo, encaminhar e-mails inúteis, fazer fofoca, criticar atitudes alheias, jogar tempo fora. Hábitos ruins que fazem parte da vida da maior parte dos seres humanos, e não foi preciso esforço algum para que eles se instalassem.

Por que então não se dedicar a implementar o hábito de ser feliz? Meditar de vez em quando; fazer uma oração antes de dormir, agradecendo por mais um dia de vida; dizer "eu te amo" com mais frequência; elogiar alguém; desejar bom dia de verdade, não por obrigação; prestar atenção à paisagem enquanto caminha, em vez de olhar para o chão e pensar na agenda lotada. Desligar a TV e ler um livro; preparar uma receita nova todo final de semana; visitar os amigos; preocupar-se menos e rir mais; separar o lixo para reciclar; experimentar uma coisa diferente toda semana ou, se possível, todo dia.

Sempre consideramos correto nos dedicar a tudo que possa nos proporcionar mais sucesso, estabilidade financeira, experiência profissional, tudo que nos dá aquela imagem de pessoas responsáveis, esforçadas, trabalhadoras e sérias. Empreender esforços na simples busca da felicidade, da alegria, do bem-estar parece tolice, coisa de quem está com a vida ganha ou tem tempo a perder.

Pois bem, ao invés de nutrir neuroses, úlceras e outros problemas de gente sérias, eu quero dar cada vez mais força a hábitos deliciosos como os abraços matinais do meu marido. E quando eu já for idosa, espero que digam de mim: "Aquela velha ali? Tem uma mania incorrigível de ser feliz."

quinta-feira, 11 de março de 2010

Crescer (parte 3)

A busca de apoio e proteção numa coletividade com interesses e/ou características semelhantes pode explicar porque a maioria das pessoas, mesmo sem perceber, deixa-se absorver por uma massa, abrindo mão de grande parte de sua individualidade. A identificação é sinônimo de segurança.

Mesmo depois de adultos, muitos de nós sentimo-nos despreparados e inseguros diante de um grupo de desconhecidos. Instintivamente buscamos pontos de apoio justamente nas características em comum. Aqueles que passam muito longe dessa forma de comportamento costumam ser considerados desajustados.

O problema é que, creio eu, faz parte do processo de real amadurecimento perceber a hora de parar de se esconder na massa. Não há nada de errado em buscar a companhia dos nossos pares. Uma conversa flui muito mais quando existe afinidade. Mas isso não significa que não possamos ter nossos pontos de divergência, pois são elas, as diferenças, que nos tornam realmente especiais.

Talvez você esteja assentindo com a cabeça concordando e até achando isso tudo muito óbvio. Pare um pouquinho então e pense na última vez que você se permitiu entrar em contato com alguém muito diferente de você. Falo por mim: dos pés à cabeça estou repleta de preconceitos que incitam uma voz arrogante na minha cabeça a traçar o perfil de qualquer pessoa que eu conheça, logo nos primeiros minutos de conversa, ou pior, num primeiro olhar.

É mais fácil identificar o ranço da prepotência quando ele é usado contra nós. Sinto na carne quando uma amiga não se conforma porque eu não vivo mais na balada e, sem o menor embasamento, conclui que "o casamento faz mal para as pessoas". 

Percebo claramente que algumas pessoas não se conformam em conviver com o diferente, porque hoje não visto as mesmas roupas de anos atrás, e me identifico muito mais com o estilo que tenho agora. Talvez porque antes eu não tinha um estilo. Era assim, super básica, o que não incomodava ninguém, nem despertava muita admiração.

Adotar uma filosofia de vida diferente, então, é um escândalo. Especialmente porque quase todo mundo que eu conheço nem sequer possui uma filosofia de vida. Assim, o caminho mais fácil é ridicularizar, fazer piadinhas toscas de que os coleguinhas rirão, mesmo sem achar muita graça... Nem percebi o túnel do tempo, e fomos subitamente transportados de volta ao colégio?

Agradeço intensamente a essas pessoas intolerantes. Agradeço por cada comentário espinhoso, ácido, amargo. Agradeço pela falta de visão, pela falta de interesse em conhecer algo novo. Agradeço por essas pessoas insistirem em palpitar sobre assuntos que ignoram, com a empáfia de falsos conhecedores.

Agradeço porque, ao agir como adolescentes inseguros de si mesmos e me relegarem ao plano dos excluídos - como os nerds, gorduchos, orelhudos, narigudos e feiosos -, essas pessoas constantemente me lembram de que eu não preciso ser assim. Não há mais razão para agir dessa maneira. Meus afetos eu já conquistei, e conquisto novos a cada dia sendo quem eu sou. Não preciso mais me mascarar nem usar um vestido igual ao da minha amiga para ir a uma festa.

E o mais importante de tudo: a atitude dos intolerantes me ensina a calar a voz da arrogância dentro de mim. Olhar com respeito para as outras pessoas, por mais diferentes de mim que elas sejam. E lembrar sempre que todos têm algo a nos ensinar, ainda que a lição de alguns seja simplesmente a forma com que eu não desejo agir.

"Aprendi silêncio com os falantes, tolerância com os intolerantes, e gentileza com os rudes; ainda, estranho, sou ingrato a esses professores." (Khalil Gibran)

(não continua)