quarta-feira, 27 de abril de 2011

Onde foi parar nosso tempo?

Um dia desses fomos ao shopping assistir a um filme no cinema. Como sempre, compramos os ingressos logo ao chegar e tratamos de aproveitar o tempo que tínhamos até o início da sessão. Fizemos um lanche e demos umas voltas, examinando as vitrines, e terminamos entrando na livraria, já que nenhuma das outras lojas nos interessou.

A capa com ilustrações vintage de um livro vermelho me chamou a atenção e, ao ler na orelha do livro o prefácio de Ignácio Loyola Brandão e ver as ilustrações ao longo do livro, tive que comprá-lo. Era o "Onde foi parar nosso tempo?", de Alberto Villas. Um livrinho simpático, gostoso de ler, todinho recheado de nostalgia. A questão básica levantada pelo texto, dividido em 50 pequenos capítulos, é onde foi parar o tempo que as pessoas gastavam fazendo coisas que hoje não precisam fazer mais, como lavar fraldas, apontar lápis com faca, descascar laranjas quando o suco não era comprado pronto, deixar descansar a massa do bolo, encontrar as três marias no céu...

Esse Alberto Villas é um cara muito esperto. Sabendo que seus leitores vivem nessa era em que a frase "não tenho tempo pra nada!" é quase um hino universal, escreveu um livro num formato que mesmo o mais atarefado dos mortais encontra um tempinho para ler. Cada um dos capítulos é uma historieta curtinha com início, meio e fim, ilustrada com anúncios publicitários antigos, divertidíssimos, e repletos de lembranças da infância e juventude do autor, que aumentam ainda mais a minha simpatia pelos mineiros. Dá pra ler tranquilamente pelo menos um capítulo na fila do caixa rápido no mercado. Durante a sessão de manicure é possível lembrar, com um inevitável sorriso de nostalgia, como era difícil desempelotar o Toddy. Na sala de espera do dentista é capaz de o livro todo acabar. 

Curiosamente, estou demorando um tempão para terminar de ler o meu exemplar. Do mesmo jeito que eu fazia com os chocolates que ganhava na Páscoa quando criança, estou saboreando o livro aos pouquinhos, para durar mais tempo. Outra coisa curiosa é justamente esse hábito de ler enquanto faço outra coisa. Um dos sintomas do tal sumiço do tempo é esse: a gente sempre se acha na obrigação de ser superprodutiva, fazer muitas coisas simultaneamente para o tempo render.

O tempo de espera até o início do filme no cinema tem que ser aproveitado. Ficar à toa enquanto a manicure me cutuca as cutículas parece um pecado. Enquanto trabalho, gosto de ouvir música e ver se descubro alguma novidade musical interessante. Leio minhas revistas no intervalo comercial dos programas que vejo na TV. Checo os e-mails do escritório enquanto aguardo a secretária fazer uma ligação. Até o tempo que o site de algum Tribunal demora para retornar os resultados de uma pesquisa é aproveitado para fazer alguma outra coisa, de modo que estou sempre executando pelo menos três tarefas ao mesmo tempo. Acredito que antigamente as pessoas tinham tempo porque não se cobravam tanta produtividade.

Hoje até o lazer da gente tem que ser produtivo. Quando chega a segunda-feira, volto ao trabalho frustrada porque no final de semana não consegui dormir todo o meu sono atrasado, além de assistir aos 2 filmes que chegaram da Blockbuster, mais a temporada de Dexter que baixamos na internet, experimentar uma receita nova, arrumar meu armário, visitar a amiga que há meses deu à luz uma menininha que não conheço ainda, cuidar do meu jardim, ir ao supermercado, andar de bicicleta, ir ao teatro, assistir às reprises dos seriados que perdi durante a semana porque estava ou na academia, ou no boxe, ou no pilates ou na dança do ventre, nem terminar um dos três livros que estou lendo - além do livro tema desse texto, Cien Años de Soledad, do Gabriel García Marquez, em espanhol para entrenar el idioma e Quando Nietzsche Chorou, que já faz anos que quero ler, mas, adivinha? Faltou tempo.

Já houve quem pensasse que a automatização do trabalho e o avanço tecnológico nos daria mais tempo livre para pensar, para desenvolver o ócio criativo. Na prática o que acontece é que, quanto mais rápido a tecnologia permite que seja nosso trabalho, maior é a carga de trabalho que assumimos, por mais que ele não seja braçal. E a oferta de entretenimento é tão gigantesca que o tempo livre nunca é suficiente para tudo que queremos fazer. Mesmo que o achocolatado agora seja verdadeiramente solúvel.

Esse texto era só para contar como o livro do Alberto Villas é gostoso de ler e despertou em mim o desejo de conhecer o restante de sua obra. Mas acabei tendo que filosofar um pouco, para aproveitar o tempo em que escrevia. Encerro por aqui o texto, mas não a análise. Continuo filosofando, enquanto dirijo, tomo banho, caminho até o restaurante, digitalizo documentos, enfim, sempre que encontro um tempinho para pensar.