terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A verdadeira dimensão das coisas

Esse domingo, 16/01, foi meu derradeiro dia de férias. Depois de duas lindas semanas na Argentina, eu e o Dé acordamos às 3h40 da manhã para irmos ao Aeroparque Jorge Newbery (Buenos Aires). Nosso vôo estava programado para sair às 5h55.

Ao fazer o check-in, fomos informados por um funcionário da LAN, sem maiores explicações, que não havia lugar no avião, e que faria o possível para nos incluir em outro vôo o mais breve possível. Eu e o Dé não tínhamos comido ainda, carregávamos malas pesadas e estávamos agoniados pela ausência de notícias. Meu espanhol é ainda um tanto precário, o que dificultava bastante para xingar os funcionários da LAN, que não falam português.

Depois de pouco mais de uma hora (que pareceu uma vida), simplesmente nos colocaram num táxi a caminho do Aeroporto Ezeiza, para a gente resolver o problema com a TAM (de quem compramos as passagens). No Ezeiza, a angústia persistia. Os atendentes não nos diziam nada, mas pelo que conseguíamos entender das conversas entre dentes, problemas no sistema impediam que nossos nomes fossem incluídos em outro vôo. Ah, o sistema, sempre o sistema, essa entidade invisível e onipresente, sobre a qual nós, pobres seres humanos, parecemos ter pouco ou nenhum controle...

Enfim, pouco antes das 8h nos avisaram que viajaríamos no avião que decolaria às 8h10. Detalhe: ainda precisávamos passar pela imigração, onde a antipatia extrema de uma funcionária argentina conseguiu me conduzir às lágrimas, tamanho foi meu nervosismo. Enfim, conseguimos embarcar - bastou que nós dois entrássemos para que as portas fossem fechadas e a aeronave decolasse apressada. Viajamos para o Aeroporto de Guarulhos (São Paulo) em poltronas distantes uma da outra.

Desembarcamos em Guarulhos, aguardamos nossas malas surgirem na esteira, passamos correndo pela alfândega e seguimos com pressa para o novo check-in. A funcionária da TAM avisou que estávamos em cima da hora, que as portas já estavam fechando. Perdão, querida, mas nem pra mijar eu parei, porra.

Às 13h e alguma coisa embarcamos. Vários assentos estavam vazios e por isso conseguimos sentar juntos. O avião passou por entre várias nuvens carregadas, o que provocou algumas turbulências que me fizeram apertar mais forte a mão do Dé.

Chegando a Curitiba, aquela sensação que quase todos que viajam de avião já experimentaram um dia, de que sua mala é a última a aparecer na maldita esteira, ganhou para mim novas proporções. A minha simplesmente não apareceu. Bora preencher um formulário e aguardar, de dedos cruzados. Segundo o funcionário da TAM, duas coisas poderiam ter acontecido: ou a mala ficou em Guarulhos (nesse caso, poderia vir para Curitiba num dos 4 vôos restantes naquele domingo), ou foi para algum outro lugar. Nessa segunda hipótese, só Deus saberia QUANDO e SE eu voltaria a vê-la, já que seria necessário contar com a boa vontade de uma criatura em algum lugar do mundo que, ao ver uma mala perdida, sozinha, abandonada, verificasse o código de barras na etiqueta que indicava o nome de seu dono e o seu destino. Nem quis reclamar. Já estava feliz com o fato de que o funcionário que anunciava o extravio da minha bagagem ao menos o fazia em português. 

Meus sogros e a prima do Dé nos esperavam no aeroporto, com sorrisos e abraços apertados. Na minha casa, meu irmão e minha mãe nos aguardavam com uma torta deliciosa preparada por ela, prevendo que chegaríamos com fome. 

No final da tarde, recebemos um telefonema informando que minha bagagem foi encontrada. Algumas horas depois ela chegou, intacta, na minha casa.

Ainda estávamos em Bariloche quando uma funcionária do hotel nos perguntou se estávamos sabendo da tragédia que aconteceu no Brasil. Segundo ela, em algum lugar cujo nome não lembrava, mais de 300 pessoas haviam morrido por causa da chuva. Nós não sabíamos de nada. "Sí, por supuesto, están de vacaciones", respondeu ela.

Quando me inteirei dos acontecimentos, o número de mortos já era mais do que o dobro e o número de desabrigados e feridos era incalculável. Ouvi de meus familiares e vi na TV o desespero, a dor, a tristeza de tantos. 

Parei para pensar no meu dia. No aeroporto, na Argentina, a simples perspectiva de não poder retornar ao meu lar no tempo esperado me deixou agoniada, revirou meu estômago. Não consigo imaginar o desespero de quem não pode voltar nunca mais para sua casa, destruída ou condenada.

Por algumas horas, fiquei angustiada pelo extravio de alguns de meus pertences, bens materiais, e com a ideia de que talvez os tivesse perdido definitivamente. Eram apenas roupas, sapatos e outros objetos pessoais, alguns mais importantes por serem recordações da viagem. Penso no sofrimento de quem perdeu tudo que construiu na vida. Não só casa, móveis, roupas, sapatos, eletrodomésticos, coisas que, embora isso exija muito trabalho e esforço, podem ser adquiridas novamente. Mas as fotografias de infância, os presentes de casamento, aquelas pequenas coisas que adquirem importância enorme em nossas vidas.

Por fim, a única coisa que não me faltou, em momento algum, foi o carinho e o apoio de meus entes queridos. A todo momento pude - e posso - contar com o abraço forte, o olhar compreensivo, o amor incondicional do Dé. Retornar para casa só fez sentido com a presença calorosa dos familiares que nos esperavam. Impossível calcular a dimensão da dor de quem perdeu amigos e parentes nessa tragédia. 

Acontecimentos como esse nos ensinam uma série de lições, como, por exemplo, dar mais valor ao que realmente importa, que são as pessoas, e não as coisas que temos. Quando alguém é obrigado a abandonar tudo tentando salvar a própria vida, as prioridades mudam. A pessoa que terá que dormir por tempo indeterminado no chão de uma igreja, no pátio de uma escola ou no piso de um ginásio esportivo, certamente não descerá o morro com uma TV de LCD nas costas. Um colchão, roupas secas, água e comida são mais importantes que qualquer objeto de decoração, por mais lindo que seja seu relógio de parede.

E, naturalmente, todos os bens materiais podem ser deixados para trás se os braços forem necessários para carregar uma criança, um amigo, um parente, um vizinho e até um desconhecido. A tragédia tem o condão de atiçar a sordidez inacreditável de quem tem a perfídia de elevar os preços para se aproveitar da necessidade dos desesperados e até roubar doações destinadas às vítimas, mas também consegue despertar a solidariedade humana e a elevar a níveis surpreendentes.

Dentre todas as lições que se extraem de momentos como esse vivenciado por centenas de famílias em regiões do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, a maior, certamente, é a da esperança. Em meio a tanta dor e tristeza, destacam-se a alegria e a fé dos que agradecem pelo fato de terem escapado com vida. Destaca-se a energia dos voluntários, muitos deles, vítimas da tragédia. Destacam-se os herois que salvaram vidas e fazem questão de atribuir a honraria a Deus. Destaca-se o sorriso de quem acredita no poder extraordinário do ser humano de se reerguer e de reconstruir.