quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A cara feia do preconceito

Imagem daqui.

Sempre fui uma pessoa de múltiplas galeras. Na escola, sentava no fundão, vivia sendo mandada para a sala da diretora, levava suspensão, mas tirava as melhores notas. Assim, eu me entendia bem com o pessoal da bagunça e com os CDFs também. Além disso, fazia amizade com o povo do condomínio, com a cobradora de ônibus, o moço da banquinha de jornal, o tio da farmácia, a dona da quitanda.

Na adolescência fiz parte do movimento escoteiro. Viajávamos juntos, fazíamos muita festa e aprendíamos também noções de civilidade, de convivência, de como nos virar de verdade longe dos pais. Também fiz curso de teatro durante 2 anos, e andava com um povo, digamos, mais alternativo. Frequentava bares muito loucos, com gente bem mais velha do que eu. Ia pro Largo da Ordem e, como a grana era curta, eu e minhas amigas rachávamos um garrafão de vinho, que bebíamos sentadas na escadaria da Igreja. Depois caminhávamos até a Rua 24 horas, onde pedíamos uma pizza de muzzarela (a mais barata), cortada em quadradinhos, e ali esperávamos até amanhecer (quando o ônibus voltava a circular). Mas na sexta eu colocava um chapéu de cowboy na cabeça e ia dançar com as amigas do colégio em baladas country. 

Numa segunda-feira à noite, num bar chamado Dromedário, estava no banheiro (unissex) quando escutei duas pessoas conversando. Ele e ela eram completamente tatuados, cheios de piercings e vestiam roupas pouco convencionais. Os dois estavam criticando apreciadores de música country/sertaneja e o rapaz disse: "pra mim essa gente brega devia morrer". Naquela noite concluí que mesmo a pessoa que com certeza já foi discriminada simplesmente porque se veste diferente do senso comum é capaz de condenar alguém só porque usa bota e chapéu ou escuta um determinado tipo de música (por mais brega que seja!).

Já na faculdade, continuei assim: tinha amizade com o pessoal que vivia no boteco e também com os estudiosos, porque eu, afinal, fazia as duas coisas (embora a frequência no boteco fosse um bocadinho maior). Viajava com várias turmas diferentes, saía pra dançar forró, sertanejo, samba, hip hop e até música eletrônica, que sempre detestei, mas ia de vez em quando pela boa companhia. 

Fiz algumas ótimas amizades também em vários lugares em que já trabalhei. E esses amigos me apresentaram a outras pessoas e muitas delas se tornaram minhas amigas. Frequentei uma doutrina religiosa  por anos e, mesmo já tendo saído dela há muito tempo, continuo tendo carinho pelas pessoas de lá, e elas por mim. Tenho amigos em várias cidades e países. Há muito tempo percebi que não devo classificar alguém simplesmente por um estereótipo, porque existem pessoas legais e pessoas desagradáveis em quase todas as galeras. 

Já nutri muitos preconceitos e tive a oportunidade de me ver livre de grande parte deles. Continuo trabalhando nos demais. Não sou hipócrita de dizer que não formo jamais uma opinião só de olhar pra uma pessoa. Mas felizmente já aprendi a passar por cima dos meus pré-julgamentos e dar uma chance a mim mesma de descobrir se eu estava certa ou não. Como diriam nossas avós, a língua é o chicote da bunda. Um dia você critica uma pessoa por causa de sua religião, profissão, gosto musical ou seja o que for, e num outro momento essa pessoa é quem lhe estende a mão numa dificuldade. E a vida vem e diz pra você: "tomou?"

Alguém pode pensar que minha facilidade de me integrar em tribos tão diferentes seja falta de personalidade. Eu modestamente acredito que seja justamente o contrário: minha personalidade é forte o suficiente para se sustentar nas mais diversas situações. 

E mesmo que eu me identifique mais com um grupo do que com outro, mesmo havendo aquele lugar em que eu me sinto mais em casa, mais acolhida, mais cercada de semelhantes, isso não quer dizer, de maneira alguma, que eu vá deixar de apreciar o valor da interação com outros grupos. Adoro conhecer outras culturas, outras formas de pensar. 

Assim, quando me deparo com uma tribo diferente da minha (ou das minhas), uma turma de outras cores, outros ritmos, outros jeitos de ser, sempre encaro como uma oportunidade de expandir meu universo, de aprender coisas novas. Na maior parte das vezes, é isso mesmo que acontece, e é muito legal.

Mas de vez em quando, para minha tristeza, encontro gente sem essa disposição para se relacionar com quem não lhe parece igual. Como disse Caetano, é que Narciso acha feio o que não é espelho. E seria engraçado se não desse pena o fato de que essas pessoas, de tão preconceituosas e invejosas, acreditam piamente que são alvo de preconceito e inveja. Cercam-se no seu mundinho, pensando que assim estão se protegendo, quando estão somente perdendo boas oportunidades de crescimento pessoal.

É decepcionante quando eu, trouxa ingênua, aproximo-me de alguém de uma outra turma acreditando na possibilidade de agregar mais conhecimento, ampliar meu círculo de amizades e descubro que a pessoa já formou sua opinião sobre mim com base apenas nas roupas que eu visto, na maquiagem que eu uso ou qualquer superficialidade do gênero.

Gostaria de perguntar: sinceramente, é só isso que define quem você é? Suas roupas? É nisso que se resume a sua personalidade? Porque eu gosto de acreditar que seres humanos são - ou podem ser - criaturas complexas, ricas, repletas de variadas características e capazes de desenvolver amplas potencialidades nas mais diversas áreas - física, intelectual, emocional, social...

Não somos feras isoladas em covis. Podemos e devemos desenvolver a habilidade de coexistir pacificamente e até mesmo encontrar alegria na convivência. Não dá pra exigir respeito quando a nossa atitude não é respeitosa.

Se você é mãe ou pai, ensine isso a seus filhos: "você não é obrigado a gostar de todo mundo, mas tem sim o dever de respeitar todos os seus coleguinhas". Explique que pertencemos todos a uma só raça: a humana. À primeira vista podemos parecer muito diferentes. Podemos nos achar mais bonitos que os outros. Mas, citando agora Frejat, todo mundo é parecido quando sente dor. Se os pais das crianças que praticam o famigerado bullying fossem mais cuidadosos nesse ponto, os pais das crianças que sofrem bullying gastariam menos com terapia.

Se você é professora ou professor, não importa se de matemática, alemão, dança, escultura, sociologia ou direito civil, lembre-se de incluir essa lição nas suas aulas: respeito. Você não precisa necessariamente falar no assunto ou cobrar esse conteúdo numa prova, mas o seu bom exemplo é fundamental. Se lhe faltar cortesia no conviver, seus pupilos certamente aprenderão com você a indelicadeza.

Existe uma galera da qual eu faço questão de não fazer parte: a dos intolerantes. Se você é dessa turma... Que dó, que dó... Espero que um dia seus olhos se abram para a realidade! Que você consiga enxergar que podemos ser maiores que nossas diferenças, e que a diversidade é uma das maiores belezas da vida!