quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Comer carne é mesmo uma necessidade biológica? (parte 2)

Este texto é o 4º de uma série. Clique aqui para ler os anteriores.

Prosseguindo a análise de fatores biológicos que determinam (ou não) a nossa dieta, cabe observar as diferenças de comprimento e de forma dos intestinos das espécies. Carnívoros possuem trato intestinal curto (de 3 a 6 vezes o comprimento de seu corpo) e liso. Isso faz com que a carne da qual eles se alimentam seja expelida rapidamente do organismo, evitando a contaminação por toxinas. Herbívoros, por sua vez, têm o intestino longo (de 10 a 12 vezes o comprimento de seu corpo), e repleto de vilosidades. Essa estrutura garante que os vegetais permaneçam no organismo por tempo suficiente para a absorção de todos os nutrientes necessários.

E quanto aos onívoros? Muitos autores dizem que seus intestinos são muito semelhantes aos dos carnívoros. Os defensores da ideia do ser humano como onívoro, por sua vez, afirmam que nossos intestinos são idênticos aos dos onívoros. Observando diversas representações gráficas, percebi que há animais com intestinos com formatos e tamanhos semelhantes e dietas diferentes.

A explicação para isso é que o intestino de cada espécie (mesmo as classificadas como onívoras) é mais longo quanto maior a importância do vegetal como fonte de energia. Ou seja, há onívoros cuja alimentação é predominantemente voltada à ingestão de carnes (intestino curto) ou de vegetais (intestino longo). O intestino humano, só para constar, mede de 10 a 11 vezes o tamanho de seu corpo, e possui diversas vilosidades e curvas que garantem que o alimento permaneça ali dentro por bastante tempo.

Isso talvez signifique que a dieta ideal para os seres humanos seria predominantemente vegetal, complementada por proteína animal. Ou seja, algo bem diferente de um prato de bife com batata frita, arroz e meia folha de alface. Um ponto que reforça essa teoria é o fato de que, ao contrário do que a indústria alimentícia tenta nos convencer (e geralmente consegue), a maior parte de nós consome uma quantidade de proteína muito maior do que necessidade diária, o que representa uma sobrecarga para o fígado, obrigado a processar todo o excedente.

Então por que eu resolvi extirpar a carne da minha dieta, ao invés de simplesmente diminuir a quantidade dela? Dentre outras razões, porque fiquei um assustada ao me descobrir que o processo da digestão - até o momento da excreção - dura, na melhor das hipóteses, cerca de 12 horas. Veja, a melhor das hipóteses quer dizer que a dieta seja predominantemente vegetal, repleta de fibras. Uma pessoa que não costuma ingerir verduras, grãos e outras fontes de fibras pode levar até 4 dias para eliminar os resíduos.

Isso quer dizer que a carne - já em decomposição - passa um tempão dentro do corpo humano. Talvez você não veja problema nessa demora para se livrar do cadáver ingerido, considerando que nosso organismo supostamente esteja preparado para isso. Mas é possível também que você não tenha lembrado que a carne que consome veio de um animal entupido de hormônios, antibióticos, agrotóxicos (estes se acumulam na carne durante meses, sem contar que muitos produtores tratam verminose do gado injetando herbicidas, em quantidades muito maiores do que as aplicadas no capim) e substâncias cancerígenas, usadas para a conservação da carne durante meses nos frigoríficos, e para manter a sua cor vermelha (certamente a cor acinzentada da carne putrefata afastaria os consumidores).

É inevitável concluir que, hoje, a dieta onívora provoca muito mais malefícios do que benefícios. O consumo de carne atualmente é muito maior do que era antigamente, e os estudos apontam para um aumento cada vez maior. As consequências não atingem exclusivamente a saúde humana, mas isso é assunto para ser tratado mais além. O que me cabe dizer, por ora, é que é ingenuidade não associar o incremento do consumo de carne ao aumento vertiginoso de casos de câncer e doenças cardiovasculares, dentre outras. Diversas pesquisas científicas têm comprovado essa relação.

Também não existe um consenso sobre a alimentação original do ser humano. Há quem acredite que somos onívoros desde sempre. Outras correntes acreditam que éramos inicialmente frugívoros (seres que alimentam-se exclusivamente de frutas), e que passamos a ingerir outros alimentos por necessidade. Eu, particularmente, vejo mais coerência nessa segunda alternativa.

Isso porque os seres humanos, nos primórdios de sua existência da Terra, não habitavam todo o globo, mas tão somente regiões tropicais, onde existe abundância de alimentos vegetais, de muito mais fácil aquisição do que os ariscos animais. Porém, ao migrar para outras regiões do planeta, as coisas mudaram. Além disso, é possível também que desastres naturais e alterações climáticas bruscas tenham obrigado nossos ancestrais a incluírem animais e derivados em sua dieta. Dietas se adaptam às necessidades. Mas isso são apenas teorias.

A questão essencial que cabe perceber é a seguinte: se somos, de fato, onívoros (seja originalmente ou em resultado de uma adaptação ao ambiente), isso significa que podemos nos alimentar tanto de vegetais quanto de animais. Especialmente hoje, quando a ciência já desenvolveu incontáveis formas de suplementação alimentar, e temos à disposição uma infinidade de alimentos vegetais ricos em nutrientes, uma dieta estritamente vegetariana bem variada e complementada pelo consumo de vitamina B12 é perfeitamente viável. E ainda evita diversos problemas advindos do consumo da carne. Prova disso é a saúde de ferro de diversos vegetarianos.

Todo o restante é bobagem. A crença infundada de que a carne e seus derivados seriam essenciais na alimentação humana já caiu por terra há muito tempo, basta pesquisar um pouco para saber. Toda a controvérsia cinge-se, portanto, a uma questão de escolha.

Ao compreender tudo isso que acabei de explicar, segui minha jornada em busca da realidade, ou seja, não desprezei nenhum conhecimento no processo de elaboração de uma escolha consciente. Argumentos como "mas todo mundo come carne", "comemos carne desde a pré-história", "o homem está no topo da cadeia alimentar", "mas eu não resisto ao sabor de um churrasquinho", "eu seria vegetariano se tivesse alguém para cozinhar para mim", "se as pessoas parassem de comer carne seria o fim da economia" ou "comer carne faz parte da natureza humana" manifestam a simples repetição de padrões desprovidos de fundamento. E a opção de viver de forma consciente é incompatível com a aceitação de paradigmas sem qualquer tipo de questionamento.

A seguir, traçarei algumas linhas sobre conclusões particulares que formei ao longo desse processo, antes de citar alguns argumentos que contribuíram para a decisão definitiva.

"A wise man makes his own decisions, an ignorant man follows public opinion"

Chinese Proverb

(continua)

4 comentários:

  1. ovo-lacteo-vegetariana? vegetariana? ou vegana?

    Ok. eu sei que peixe é um animal (o meu animal preferido!!), mas nem peixe?

    Eu não sou vegetariana, mas uma vez por semana eu não consumo nada de origem animal. Li que se todo mundo fizesse isso uma vez por semana, contribuiria muito para reduzir alguns problemas ambientais bem sérios.

    Bos sorte!

    Lili Marlene

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  2. Oi, Lili! Vegana!

    Até o final da série de textos pretendo deixar claros os motivos da minha opção. Não pretendo convencer ninguém, mas pra mim é importante que as pessoas entendam que aderir ao veganismo foi uma decisão (bem) pensada, e não uma ideia maluca, rs.

    Logo, logo vou entrar nessa questão dos problemas ambientais e também, é claro, dos peixes! rs

    Um abraço!

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  3. Nossa, boa sorte na empreitada!
    Ser vegana é difícil (na minha modesta opinião, pelo menos), porque você terá que prestar muita atenção ao que compra no mercado e nos restaurantes que você vai.
    Produtos industrializados costumam ter sempre algum componente derivado de animais. Alguns componentes, inclusive, eu jamais suspeitaria que fossem derivados de animais.
    Vai contando como está sendo o processo de adaptação a essa nova vida.
    beijos
    Lili

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  4. Pois é, Lili. Não compro mais nada sem ler atentamente os rótulos, e ando com uma lista na bolsa de produtos e componentes de origem animal com nomes insuspeitos.
    Também estou selecionando bem onde comer, e fazendo bem mais coisas em casa, o que é ótimo, porque me livra não só dos ingredientes de origem animal, mas também de conservantes, aromatizantes, espessantes, corantes e outros "antes" artificiais.
    Pode deixar que vou continuar contando tudo sobre a jornada.
    Bjos

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