quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Manual do adulto que ainda sonha


Quando criança você sonhava, lembra? Sonhava ser a princesa do castelo e casar com o mais lindo dos príncipes. Sonhava ser super herói, pilotar foguetes ou carros de fórmula 1. Sonhava ter uma fazenda só para cuidar dos animais. Sonhava ser presidente do país e dar um jeito de nunca mais uma criança dormir na rua. Sonhava aparecer na TV ou ser o maior jogador de futebol de todos os tempos. Sonhava conhecer todos os países do mundo, que você nem sabia quantos eram. De qualquer forma, você só sabia mesmo contar até 100. Uma conquista alardeada a todos os membros da família: “tia, sabia que eu sei contar até 100?”


Na adolescência você sonhava. Teria uma banda de rock, escreveria um livro, moraria numa república só com seus melhores amigos. Viajaria com a mochila nas costas pelos lugares mais exóticos do mundo. Provaria para seus pais que viver de arte não era impossível. Alguns sonhos de infância ainda não tinham morrido. Mas você às vezes tinha vergonha de dizê-los em voz alta.

Você seguiu o rumo que as pessoas esperavam. Conseguiu seu diploma, um emprego, uma família. De vez em quando (mas bem raramente), você lembra que os astros do rock, os jogadores de futebol, as atrizes de cinema, os grandes escritores e os pilotos de espaçonaves são gente como você. Animais bípedes da ordem dos primatas pertencentes à subespécie Homo sapiens sapiens, com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor.

Quando pensa nisso, você se frustra e se deprime. Ressente-se do fato de que, sempre se esforçando para atender às expectativas alheias, deixou na mão logo quem?

Você prefere não desabafar com sua esposa ou seu marido, com medo de que ela pense que finalmente a pressão do trabalho fez você surtar, ou de que ele acene com a cabeça e diga “uhum”, sem ter ouvido uma palavra do que você disse. Melhor também não comentar com os amigos, ocupados demais em galgar posições mais elevadas na escalada social.

Para não se sentir um extraterrestre entre eles, sempre que perguntam como vai a vida, você não erra a mão: “como sempre, na correria!”. Você sabe que eles não esperam nenhuma resposta além dessa. Ninguém quer saber se você tem um novo jeito de olhar a vida. Se fez amizade com um iraniano. Se está estudando grego em casa.

Sabendo disso, ao iniciar o assunto, você não perde a compostura: “e aí, como vai? Só na correria?”. Claro que são aceitas variantes na conversa: “não levanto da minha mesa nem para ir ao banheiro”, “há meses não sei o que é final de semana” e “estou simplesmente enlouquecendo” são boas opções.

“Como vão seus sonhos?”, “quando foi a última vez que você conversou com um desconhecido?” e “tem algo diferente que você tenha experimentado recentemente e que queira me recomendar?” são perguntas que não passam pela sua cabeça. Se passam, você as ignora, sob pena de parecer ridículo ou desajustado.

Se surgir a oportunidade de abandonar o seu emprego de merda e fazer algo que tenha algum significado para você, é bom pensar mil vezes antes de arriscar uma posição já consolidada em troca de uma coisa incerta. Se decidir encarar o desafio, melhor dizer que o motivo da mudança foi a vantagem financeira. Se você for ganhar menos, a solução é mentir. Ou habituar-se aos olhares apiedados. E aos rótulos. Lunático, hippie e irresponsável talvez sejam os menos ofensivos.

Ao viajar, é importante fazer uma programação precisa para garantir a produtividade dessas férias. Nenhum momento deve ser desperdiçado com tolices como a mera contemplação. Sempre que possível, você deve se conectar à internet e postar as fotografias nos álbuns das suas redes sociais, deliciando-se ao imaginar a cara de inveja dos seus colegas de trabalho.

Talvez você pudesse se deliciar com a simples oportunidade de vivenciar experiências inéditas, imergir na cultura de um povo diferente do seu e, quem sabe, até mesmo descobrir que, na essência, nem é tão diferente assim. Ah, imagine, que bobagem. Publique logo essas fotos e vá tirar outras.

Algumas pessoas dizem que é difícil ser adulto. Difícil nada! É facílimo! Até mesmo aquele seu colega cretino que não mede esforços para levar vantagem consegue. A caixa do supermercado, a sua mãe, o gari sorridente, a sua ginecologista, o seu chefe e a sua secretária também. Ser adulto, na prática, requer apenas idade. Não é difícil. Mas pode ser um pé no saco se você não tiver coragem de rasgar as regrinhas de conduta que o afastam dos seus próprios sonhos. A gente sempre tem opção, e não escolher também é uma escolha.

Este manual contém somente uma regra. A única convenção que sempre vale a pena seguir é o respeito. Por si mesmo e pelos demais. De resto, quem não anda sobre os seus sapatos não pode nem deve definir o seu caminho.

Beijos

3 comentários:

  1. olá..desculpa invadir, mas eu tinha que dizer:

    como podem essas palavrinhas fazerem tanto sentido?

    obrigada!!

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  2. Oki, texto fantástico!!! Tenho me sentido tão no sentido de suas palavras que por um segundo achei que eu tinha escrito o texto... hahah
    Ah! Vi agora seu pedido do CS... to tentando descobrir como faz para add friends, mas não consegui. Me ensina? rs Precisamos conversar mais! love ya

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  3. Loolieeze, se as palavrinhas fizeram sentido para você, é sinal de que não sou a única adulta que ainda sonha. ;)


    Lê, também acho que precisamos de mais papos sonhadores! Também estou aprendendo a mexer no CS, vc foi a 2ª pessoa que adicionei (o 1º foi o Dé, rs).
    Luv ya 2!

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