terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Vergonha


Durante toda a minha infância (assim como nas fases que a sucederam), eu tive praticamente nenhum contato com meu pai. Talvez a falta de influência paterna, somada ao total desinteresse da minha mãe por esportes, justifique porque o futebol nunca foi uma paixão na minha vida.

Eu devia ter uns 8 anos de idade quando decidi que torceria para o mesmo time que a maioria dos meus amiguinhos da escola, o Coritiba. Já que eu não tinha uma tradição familiar a honrar, não faria sentido algum optar por um time que me tornasse menos popular entre os meus pares.

Já na adolescência, cheguei a ir a uma meia dúzia de jogos com amigos realmente apaixonados pelo time. Qualquer adolescente busca incansavelmente a identificação com um ou mais grupos, então era interessante assumir o rótulo de coxa branca, algo que me aproximava de indivíduos com a mesma característica.

Um dia, porém, sofri o trauma. Pausa dramática. Respira fundo. Até hoje é triste lembrar aquele dia. O Coxa recebeu o time do São Paulo em casa. O ano, não tenho certeza, mas provavelmente foi 1999. O Couto Pereira estava superlotado, a entrada era gratuita para mulheres e crianças, e uma multidão ainda se acotovelava lá fora, querendo entrar. Eu me perdi do amigo com quem eu tinha ido, porque me afastei procurando um espacinho onde desse para respirar. O contato físico involuntário era inevitável, por mais que a gente evitasse encostar nas pessoas.

De repente, senti uma coisa quente no lado esquerdo do meu corpo, que estava se fundindo com o lado direito do corpo de um desconhecido. Eu e ele olhamos para a fonte de calor e identificamos, com a mesma cara de nojo-pavor-asco-absoluto que alguém da arquibancada superior havia vomitado na gente.

Corri para o banheiro, tentei lavar como pude aquela nojeira na pia. Tirei minha camisa (estava com uma blusinha por baixo, óbvio) e joguei fora. O grande problema era o meu cabelo, repleto de resquícios mastigados de almoço cobertos de suco gástrico do fidumaégua. Saí tentando controlar o enjôo e o choro. Peguei um busão, cheguei em casa e passei umas duas horas debaixo do chuveiro. O Coritiba venceu o São Paulo por 2x1, mas eu nem comemorei. Depois do fatídico acontecimento, só voltei ao estádio uma vez, num jogo de quarta-feira, contra um time de várzea, com cerca de 7 torcedores no estádio, contando comigo.

O tempo passou e o futebol se tornou uma coisa cada vez mais banal para mim. Se alguém me pergunta para que time eu torço, respondo por força do hábito, mas não tenho a mínima ideia do nome dos jogadores, do técnico, nem quando é o próximo jogo. Não me faz falta nenhuma.

Por sorte, vivo com um homem que também não dá a mínima para futebol. Sério mesmo, toda vez que ouço o papo chato dos maridos, noivos e namorados fanáticos das minhas amigas eu faço uma prece silenciosa de agradecimento. Jamais o meu namorido trocaria um programa comigo por um jogo na TV ou no estádio. Nunca eu vou ter que ouvi-lo dizer publicamente que eu sou uma chata porque não entendo o amor dele por um time. O Dé até gosta de jogar com os amigos de vez em quando, mas não vê sentido em sentir apreço exagerado por qualquer time, em dedicar uma fé cega como se o clube fosse o caminho da salvação, ou em perder uma tarde de domingo, uma noite de quarta ou qualquer outro momento assistindo a um jogo, enquanto a vida acontece lá fora.

É exatamente o mesmo que eu penso. A alegria que sinto quando meu time ganha talvez não seja tão grande quanto a de pegar quase todos os semáforos abertos no caminho para o trabalho, ou de descobrir uma nova cor de esmalte que super combina com meu tom de pele, ou de ter uma boa ideia para a petição em que estou trabalhando. Quando meu time perde, nem penso em me incomodar. Pra mim é absurdo alguém sofrer porque uns caras que ganham pra chutar bola fazem mal o seu trabalho.

Não consigo entender como tem pessoas que se dedicam de forma tão intensa e passional à torcida. Chorar, desesperar, brigar, perder amizade, passar o dia enchendo o saco dos amigos que torcem para o time adversário que perdeu. Tudo isso por causa de um jogo? Na boa, não entra na minha cabeça. O que o futebol tem de tão especial quando comparado aos outros esportes, que torna um grupo de homens correndo atrás de uma bola assim tão atraente? Por que ninguém arranca os cabelos porque uma dupla de vôlei de praia perdeu? Ou ri da cara de alguém que torce pra um japorongo que perdeu no ping pong?

Claro que na Copa do Mundo é divertido reunir os amigos, torcer pela seleção, embora não do mesmo jeito que torço pelos atletas brasileiros de outras modalidades. Atualmente, a maior parte dos jogadores de futebol, em especial os da seleção, sofrem de uma crise de estrelismo lazarenta. Diferente do pessoal que luta, muitas vezes sem patrocínio, que dedica a vida a representar o país no esporte.

Diante disso, há anos eu me considero indiferente em relação ao futebol e, mais ainda, ao Coritiba.

Isso até o domingo passado, 6 de dezembro, quando parte da torcida coxa branca protagonizou cenas de completa brutalidade e selvageria. O time caiu pra 2ª divisão? Cago pra isso. Não dou a mínima. Foda-se. Encontrar um fio de cabelo branco me entristece mais.

Inaceitável é invadir o campo, agredir árbitros, policiais e outros torcedores. Grotesco é espalhar o pânico nas ruas, jogar bombas em ônibus, destruir o patrimônio público. Vergonhoso é mandar para o hospital várias pessoas que não tinham nada com a história, como uma enfermeira que voltava de ônibus do trabalho e, atingida por uma bomba, perdeu três dedos da mão direita. Vexame é atingir um policial desmaiado com uma barra de ferro na cabeça. Desonra é sair distribuindo tiros, cacetadas e porradas, como se isso consertasse a situação do time que jogou mal. Sem falar na burrice que é destruir o próprio estádio e submeter o clube ao risco de uma punição mais severa.

Isso tudo me causa muito mais asco do que aquela vomitada que levei na cabeça.

Depois dessa, quero que meu velho hábito perca a força. Quando me perguntarem pra que time eu torço, quero dizer: nenhum.

Ps.: quero deixar claro que não tenho nada contra a maioria dos torcedores, tanto do Coritiba quanto de outros times, que têm amor (para mim inexplicável) pelo time e não precisam agir como animais para demonstrar isso. Esse texto reflete apenas a minha opinião de que o futebol devia ser apenas uma distração, e não motivo de fanatismo, de discórdias e de vexames como o acima descrito. Todo mundo é livre para concordar ou discordar, mas qualquer comentário que me desrespeite será sumariamente deletado, porque eu que mando nessa bagaça.

4 comentários:

  1. Em geral quando me perguntam para que time eu torço eu lanço a resposta universal: "Time nenhum, eu sou Ateu". Futebol não vale a energia que gastam com ele.

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  2. Estava eu aqui no meu trabalho mais do que monótono e por uma milagre dos céus encontro seu blog...Puxa, não há palavras para agradecer. Obrigada pela bela companhia que me fez durante esta tarde...
    Siga em paz..
    Ana

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  3. Ana, sei bem como essas tardes de trabalho podem ser longas... ;)
    Volte sempre, aprecio companhia por aqui também!

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