domingo, 15 de agosto de 2010

Um amor antigo...

Quando eu era criança, vivia pedindo coisas para minha mãe. Uma Lu Patinadora, o carro da Barbie, um Pense Bem... Não ganhei nenhuma dessas coisas, mas tive uma bicicleta Caloi Cecizinha azul (o hit entre as meninas era rosa, mas eu gostava era de azul) com cestinha, uma Amore, um Manequinho e dúzias de outras bonecas, que eram meu passatempo preferido. Minha mãe sempre fez questão de me ensinar que não era possível ter tudo. Ela trabalhava bastante para me dar tudo o que podia, mas não me transformou num monstrinho insaciável do consumismo.

Tinha uma coisa, no entanto, que eu pedia com mais frequência, e nunca desistia diante das negativas recorrentes. Eu queria um irmão. Minha mãe explicava que, para isso, precisava antes encontrar um pai para ele. Eu achava bobagem. Afinal, meu pai era uma figura quase inexistente na minha vida, e nós duas estávamos muito bem sozinhas, mas minha mãe não parecia se contentar com a minha lógica.

Eu já tinha 11 anos de idade quando finalmente ganhei o presente tão esperado: o Gabriel nasceu. Muita gente me perguntava se eu não sentia ciúmes, por ganhar um irmãozinho após reinar absoluta por mais de uma década como filha única. Eu sentia ciúmes, sim, do pequeno. Se dependesse de mim, ninguém mais o pegaria no colo além de mim. Tudo bem, eu o emprestava à minha mãe sem problemas, e até ao meu padrasto, afinal os dois detinham os direitos autorais. Mas as outras pessoas eram por demais inconvenientes.

Desde pequeno o Gabriel já era lindo e gentil. Quando tinha alguma guloseima, ele sempre fazia questão de guardar um pedaço para mim. Já eu preferia comer tudo e esconder a embalagem vazia - se ele não soubesse que o doce havia existido, não passaria vontade, certo? Cada um à sua maneira, sempre pensamos um no outro. 

O pobrezinho sofria muito nas minhas mãos quando eu resolvia dar surras de cócegas. Eu continuava até ele perder o fôlego ou dizer as palavras mágicas: "me acuda, Maria Papuda". Graças a essa prática, ele desenvolveu uma capacidade respiratória muito maior, e eu me tornei mestra imbatível na arte das cócegas.

O Gabriel sempre foi o defensor dos injustiçados. Na escola, conversava com o menino excluído por ser esquisitinho, não achava graça quando chamavam um mais delicado de viadinho e brigava com os guris que maltratavam o bolsista por ele ser pobre. Eu tentava ensiná-lo a se defender da violência dos truculentos, mas ele jamais teria coragem de machucar alguém. Então tive que me conformar. Afinal, eu também era do tipo que apanhava na escola, e sobrevivi sem maiores sequelas.

Ao longo de sua infância, meu irmão ganhou de mim diversos apelidos carinhosos, dentre os quais, um dos mais marcantes foi "pequeno semiletrado". Agora o menino está todo inteligente e estragou toda a graça para mim. Cabeção e suas variações (Cabeçote, Cabeça, Cabeçola, Cabeçudo), porém, seguem com força total. Quando minha mãe registrou o nome dele na agenda do celular como "Gabriel Cabeção" ficou claro que não tem mais volta.

Falando assim, pode parecer que eu fui (ou sou) uma irmã cruel. A verdade é que eu, pensando exclusivamente no bem do meu pequeno irmão, sempre fiz questão de prepará-lo para as adversidades que enfrentaria no mundo lá fora. 

Brincadeiras à parte, como a diferença de idade entre nós é bem grande, eu sempre fui muito protetora. Ainda hoje sou assim: se alguém faz alguma coisa contra mim, penso um milhão de vezes se vale o esforço de tomar uma atitude defensiva. Mas ai de quem mexer com meu irmãozinho! Viro bicho!

A primeira menina de quem ele gostou era uma monstra. Gordinha e muito maior do que ele, que era o mais baixinho da sala. Quando perguntei se não a achava grande demais para ele, respondeu: "não, ela é só uma cabeça maior que eu". Ah, bom, então tá. Depois, descobriu o gosto pelas orientais, e o coração passou a palpitar cada vez que via uma japonesinha.

Existe algo de diferente no amadurecimento de meninas e meninos. Elas crescem um pouquinho a cada dia, de forma gradual e harmoniosa. Eles não: desenvolvem umas partes antes das outras, esticam da noite para o dia, desafinam a voz por meses e passam por fases muito estranhas. Então é algo surpreendente para uma irmã mais velha quando, num dia qualquer, aquele garotinho franzino se transforma num homem lindo.

Hoje faz 17 anos que minha mãe trouxe ao mundo esse presente tão especial para todos que têm a sorte de conhecê-lo. Fisicamente, só foi mais lindo do que é hoje naquela época em que eu queria ter exclusividade de colo. Era um bebê tão fofo... Hoje é um gato! 

Além da beleza física, tem um coração de ouro. Continua gentil, atento às necessidades alheias, justo, honesto, sincero e cheio de amigos. Como homem da casa, cuida bem da nossa mãe. Como irmão, não poderia ser melhor. 

Tenho certeza de que vou conservar a mania de cuidar dele por toda nossa vida. Mesmo quando ele pensar que já sabe se virar sozinho. Esse cuidado de irmã mais velha não vem só de laços consanguíneos, vem do amor de quem já esperava por ele desde sempre.

Feliz aniversário, Cabeção! Amo você!

Beijos da irmã preferida.

Os homens da minha vida: Dé e Biel

5 comentários:

  1. Minha filha amada,

    Que linda declaração de amor, eu bem me lembro dos teus pedidos, muitas vezes em oração, você pequenina ajoelhada ao lado da cama, pedindo por um irmãozinho. Ele realmente é um presente em nossas vidas. Que Deus nos abençoe e continue nos permitindo viver com harmonia, saúde, alegria e em união.
    Amo vocês!

    bjo

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  2. Nossa Oki, realmente me surpreendi com esse texto! Muito bom relembrar essas coisas do passado! Coisas que eu nem me lembrava mais! Essa de você comer o doce e depois esconder a embalagem, nem sempre dava certo... As vezes eu encontrava o restos... ai era uma vontade danada de comer haha. Pois é, muitas cócegas... me deixaram traumatizado! Mas então, muito obrigado por esse texto, achei muito legal! Agradeço a você por todas as experiências e lições que você me deu, realmente foram muito boas para me tornar oque eu sou hoje! Conte sempre comigo para oque precisar, você sabe que sempre estou aqui para ajudar. Te amo!

    Beijo e abraço do seu irmão cabeção.

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  3. Irmãos são bençãos ! Comovente...

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  4. Nossa, me senti horrivelmente velha!
    Quando nos conhecemos esse menino era literalmente um menino! Está um homem!
    Bjo Oki

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  5. A gente vê num blog aqui acolá,que reaprender a AMAR é possível.

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